9 is Mine

23:38

"9% of the GDP to ensure that every Child in India has a Future

We are the Children of India. We are not voters, but we believe that the Voices of children can be stronger than the Votes of adults. And, we know that it is necessary for us to speak up now to secure our future.

In one voice, we ask you - "Keep Your Promise!" The promise to allocate 6% of the GDP to public expenditure on Education, and 3% of the GDP to public expenditure on Health. Currently public expenditure on Education stands near 3% of the GDP, and public expenditure on Health is so meager -- even less than 1%! We want every child of India to know, that "9% of the GDP belongs to us!", because Health and Education is the basic right of every child, every family." em http://www.endpoverty2015.org/

Direitos

Food Force

21:56

Descobri hoje, pela revista PROTESTE (288, Fevereiro, 2008), o Food Force. O F. F. é um jogo de computador concebido pela Comissão Europeia em conjunto com o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas que tem por principal objectivo alertar crianças e adolescentes - e adultos distraídos - para a fome mundial.
Lançado em língua inglesa em 2005, o Food Force está disponível em versão portuguesa desde Novembro de 2007 e pode ser descarregado gratuitamente no sítio da Internet http://www.food-force.com/pt/ (versão para Windows e para Macintosh).
Depois de descarregado o jogo, o jogador é convidado a integrar uma equipa de cinco elementos cuja missão é "reforçar a presença do Programa Alimentar Mundial e ajudar a alimentar milhões de vítimas da fome" numa ilha imaginária. Para realizar com sucesso esta missão é preciso passar por seis fases e conseguir, entre outras coisas, pilotar um helicóptero, planear uma dieta equilibrada e conduzir em segurança um comboio de camiões.
Para além do jogo, o sítio da Internet fornece informação sobre o P. A. M. e um espaço para professores, com recursos educativos. Entre os recursos educativos disponibilizados está um mapa interactivo que dá uma visão pormenorizada acerca dos países onde se verificam maiores índices de subnutrição. Ainda neste espaço dedicado aos professores está disponível uma hiperligação para o projecto "Alimentar mentes para acabar com a fome", que se apresenta como "uma iniciativa educativa mundial para escolas e grupos de jovens, concebida para facilitar e estimular as crianças e os jovens a colaborarem ativamente na criação de um mundo livre da fome e da desnutrição".

Filosofia

Do amor

09:29








































"O tema fundamental de quase todas as comédias é a entrada em cena do génio da espécie com as suas aspirações e os seus projectos, ameaçando os interesses das outras personagens da peça e procurando destruir-lhes a felicidade. Geralmente consegue-o e o desfecho, em harmonia com a justiça poética, satisfaz o espectador, porque sente que os determinismos da espécie são superiores aos dos indivíduos; quando termina a representação, retira-se muito consolado, deixando os apaixonados entregues à sua vitória, associando-se à ilusão de que eles criam a própria felicidade, quando realmente só a sacrificaram ao bem da espécie apesar da previdência e da oposição dos mais velhos. Em certas comédias, tentou-se a representação do oposto e realizar a felicidade dos indivíduos, à revelia dos fins da espécie: mas neste caso o espectador experimenta o mesmo pesar que o génio da espécie e a nítida vantagem dos indivíduos não conseguem consolá-lo." 
SHOPENHAUER (2002: 53)

Perde-se em qualquer dos casos...
________

SHOPENHAUER (2002). Metafísica do Amor. Lisboa: Guimarães Editores

Filosofia

Ainda sobre a luta pela hegemonia intelectual ou Brave New World revisited - parte 2

22:39


"Desde O Político, e desde A República, correm pelo mundo discursos que falam da comunidade humana como um parque zoológico que é ao mesmo tempo um parque temático; a partir de então, a manutenção de seres humanos em parques ou cidades surge como uma tarefa zoopolítica. O que pode parecer um pensamento sobre a política é, na verdade, uma reflexão basilar sobre as regras para a administração de parques humanos. Se há uma dignidade do ser humano que merece ser trazida ao discurso de forma conscientemente filosófica, isso se deve sobretudo ao fato de que as pessoas não apenas são mantidas nos parques temáticos, mas porque se mantêm lá por si mesmas. [...] por toda a parte os homens têm de decidir como deve ser regulada sua automanutenção." SLOTERDIJK (2000: 48)


E se a posição de pertença ao rebanho for, efectivamente, uma escolha consciente e livre pela indiferença. Não pela segurança, não pela inércia ou ignorância da sua individualidade, do seu estado, do estado do mundo, mas uma mera apatia revoltada e consciente perante o mundo. Um desencanto do mundo. Agir ou não agir, eis a questão?

______________

Peter SLOTERDIJK (2000). Regras para o parque humano. São Paulo: Editora Estação Liberdade

Lexicografia

Colonização, colonialismo, imperialismo e neocolonialismo

17:31

Um dos comentários que recebi a um post do meu blogue ("África") fez-me lembrar do diálogo de Humpty Dumpty com Alice em Alice do outro lado do espelho:
“- Aí está a tua glória!  
- Não sei o que queres dizer com ‘glória’ – disse Alice.Humpty Dumpty sorriu com ar de desprezo. 
- Claro que não sabes, até eu te explicar. Eu queria dizer: aí está um belo argumento que põe uma pessoa de rastos.- Mas a glória não significa ‘um argumento que põe a pessoa de rastos’ – objectou Alice. 
- Quando utilizo uma palavra – disse Humpty Dumpty, num tom desdenhoso – , ela significa exactamente o que eu quero que ela signifique, nem mais, nem menos. 
- A questão está em saber – disse Alice – se tu podes fazer que as palavras tenham significados diferentes. 
- A questão está em saber – disse Humpty Dumpty – quem deverá ser o mestre, é só isso." 
Lewis CARROL (1996: 85)
E talvez Humpty Dumpty tenha encontrado o cerne do problema: quem deverá ser o mestre na atribuição dos significados às palavras? O semanticista, o lexicógrafo, os escritores, poetas, os falantes, os legisladores, os historiadores,... e as possibilidades continuam.
Dizia, então, Afonso Vaz Pinto no seu comentário:
" [...] Se o colonialismo causou assim tanta desgraça... desde que realmente começou entre 1910-20 (até lá havia colonialismo apenas em portos e entrepostos comerciais) e tendo durado apenas 50/60 ou 70 anos... por que é África não recuperou? São 30 anos, até mais, de independências e ainda não se recuperaram????? [...]".
Que é que se pode responder a isto? O colonialismo começou em 1910-20? E durou 50/60 ou 70 anos? De que colonialismo estará Afonso Vaz Pinto a falar? Como se define o colonialismo e a colonização? Podemos falar de colonialismo lato senso e strictu senso? E como distinguimos colonialismo, imperialismo e neocolonialismo?
O Dicionário da Academia de Ciências, por exemplo, atribui três sentidos para a entrada "colonização":
"1. Acção de povoar com colonos um território administrado e dominado por uma nação, fora das suas fronteiras; acto ou efeito de colonizar. ≠ DESCOLONIZAÇÃO. 2. Exploração de territórios transformados em colónias de uma nação, com finalidades económicas, religiosas, políticas... A colonização de África pelos europeus. 3. Processo pelo qual um povo promove ou impõe, junto do outro a sua cultura, os seus valores... A colonização dos índios do Brasil destruiu muitos dos hábitos daqueles." CASTELEIRO (2001)
E define da seguinte forma "colonialismo":
"[...] Doutrina que preconiza o domínio económico e político de uma metrópole sobre territórios que mantém, na sua dependência, como fontes de riqueza. O colonialismo tem em conta sobretudo os interesses dos colonizadores." CASTELEIRO (2001)
A Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura define "colonização" da seguinte forma:
"Fenómeno sociopolítico baseado na dependência de um grupo humano ou de um território a respeito de outro que nele exerce influência demográfica, económica, cultural, social ou política. [...]. podemos descrever a situação característica dos sécs. XIX e XX [...] como um desnível em vários sectores entre sociedades ou grupos, ou pops. [...]Se pretender criar ou perpetuar esse desnível é colonialismo, se o pretende desfrutar imperialismo. Se permanece sob a aparência de igualdade e independência política é neocolonialismo, coincidente com colonialismo económico, cultural ou outro." (1980: 996)Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura.
Distingue ainda colonização antiga, medieval e moderna. A colonização moderna é definida nos seguintes termos:
"O seu início deve-se aos descobrimentos port. organizados pelo infante D. Henrique. [...] Costumam apontar-se cinco períodos da chamada época colonial moderna [...]. O 1.º período, de 1492 a 1598, é o da hegemonia port. e esp.. O 2.º período, de 1598 a 1688, é o da hegemonia holandesa, o 3.º, de 1688 a 1783, o da hegemonia fr e ing.. O 4.º período, de 1783 a 1870, o do predomínio da Inglaterra, o 5.º, de 1870 a 1940, é o do imperialismo colonial à escala do mundo propriamente dito." (1980: 1004)Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura.
Se é verdade que é possível moldar os vários sentidos de uma palavra para favorecer um qualquer ponto de vista ideológico, pergunto-me se poderemos, realmente, desconstruir esses vários sentidos - estreitá-los ou alargá-los - para obrigar uma palavra a significar o que ela nunca significou. E se podemos fazê-lo, à custa de quê, e qual o critério?
Ainda em relação ao termo "colonização", a Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura acrescenta:
"as formas de dependência de um grupo ou sociedade em relação a outro grupo ou sociedade tornaram-se tão complexas e subtis que permitem a maior gradação de formas que poderíamos continuar a chamar coloniais. No entanto, as bases fundamentais de distinção tendem a simplificar-se segundo as duas acepções filológicas do colere latino: cultivar a terra e cultivar o espírito. Continuaremos assim a ter a C. económica e a C. ideológica, mesmo na época da descolonização e depois dela." (1980: 1006) Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura. (sublinhado meu)


___________

Referências bibliográficas:

Lewis CARROL (1996). Alice do outro lado do espelho. Mem-Martins: Europa-América.
Malaca CASTELEIRO (2001). Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa: Verbo.
(1980). Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura. Lisboa: Verbo.

Epistemologia

Da percepção

12:22


"O termo percepção tem uma conotação bastante mais ampla que ultrapassa tudo o que se refere apenas aos sentidos,sensações e conhecimento sensitivo. Em sentido lato, apreendemos a realidade do mundo externo de um modo imediato e directo sem tematizar ou consciencializar os próprios processos internos que são veículos dessa apreensão. Quando dizemos "'vemos' uma árvore, uma casa, o céu...", exprimimos que estes objectos se nos apresentam [...].
Esta apreensão conjunta pressupõe um princípio de ordem e de organização que mobiliza o sujeito todo, integral, e os seus diferentes estratos cognitivos. Trata-se, com efeito, de um "pensamento vivido", que incorpora a si toda a experiência. Não se dá propriamente a percepção sem o momento essencial da "incorporação do significado": o "dar-se" do objecto é inseparável da própria acção perceptiva do sujeito, e é todo o sujeito que percepciona ou se apercebe, apreende, capta o mundo real dos objectos. [...]
Do ponto de vista epistemológico, a questão primordial consiste em saber se de facto nos apercebemos dos objectos do mundo externo tal como são realmente, ou se a nossa percepção ocorre sempre velada pelo mundo interno das nossas imagens, representações, sensações e aparências. Estão aqui em confronto duas posições fortes no que respeita à nossa experiência perceptiva: um realismo directo para o qual na percepção somos directamente conscientes dos objectos físicos e suas propriedades; uma perspectiva 'representacionalista' segundo a qual nós nos apercebemos directamente das próprias entidades mentais (imagens, sensações, ideias) que representam os próprios objectos físicos."


Maria Luísa Couto SOARES (2004), "3. Percepção: Aparência e realidade", O que é o conhecimento?. Porto: Campo das Letras. Pp. 73-74

Filosofia

Da vida

11:06


"A vida é primariamente encontrar-se cada homem submerso entre as coisas e enquanto é somente isso consiste em cada um sentir-se absolutamente perdido. A vida é perdição. Mas por isto, obriga, quer queiramos ou não, a um esforço para nos orientarmos no caos, para nos salvarmos dessa perdição. Este esforço é o conhecimento que extrai do caos um esquema de ordem, um cosmos. Este esquema do universo é o sistema das nossas ideias ou convicções vigentes. Quer queiramos ou não, vivemos com convicções e de convicções. O mais céptico existe teoricamente apoiando-se num suporte de crenças sobre o que as coisas são. A vida é absoluta convicção. A dúvida intelectual mais extrema é vitalmente uma absoluta convicção de que tudo é duvidoso." ORTEGA y GASSET (2007: 203-204) (sublinhado meu)

"O homem cega-se voluntariamente para fugir ao seu fundo abismático e está disposto a acreditar em qualquer coisa. Daqui o poder, que nunca enfraquece, da tradição. Preferimos viver sobre opiniões feitas por outros. Formamos as nossas implica que nos desprendemos de toda a interpretação recebida e que, por um momento, nos sentimos absolutamente perdidos.
[...] esta consciência de perdição pode ser mais ou menos extensa e profunda.
[...] às vezes fica em panne a integridade da nossa vida porque todas as convicções fundamentais se tornam problemáticas. As últimas ideias científicas, as normas éticas sobre que costumávamos flutuar vacilam, mostram-se, por sua vez, inseguras, mal fundadas. É uma época de crise radical numa cultura. O homem então redescobre, por baixo daquele sistema de opiniões, o caos primitivo de que está feita a substância mais autêntica da nossa vida. Volta a sentir-se absolutamente náufrago [...]." ORTEGA y GASSET (2007: 205)
(sublinhado meu)


ORTEGA y GASSET (2007), O que é a filosofia?. Lisboa: Biblioteca editores Independentes

Ciência

Luta por uma hegemonia intelectual?

00:28

No seu livro Interrogating de Real, no subcapítulo intitulado “The Struggle for Intellectual Hegemony” Žižek, tomando como ponto de partida o livro de John Brockman, The Third Culture Beyond the Scientific Revolution, acusa a ‘terceira cultura’ de estar “infested with ideology”, imputando-lhe a falha de se apropriar das ciências ‘duras’ para legitimar a sua posição (a mesma crítica feita por Sokal e Bricmont em Imposturas Intelectuais ao "pós-modernismo") e culpando-a (ainda da mesma forma que Sokal e Bricmont) de passar ao lado das questões em debate no palco político-ideológico:


“We are witnessing today the struggle for intellectual hegemony – for who will occupy the universal place of the ‘public intellectual’ – between postmodern-deconstructionist cultural studies and the cognitivist popularizers of ‘hard’ sciences, that is, the proponents of the so-called ‘third culture’ […]” Slavoj ŽIŽEK (2005: 83)
“this retreat of the ‘public intellectual’ [“the academic versed in ‘soft’ human (or social) sciences who addressed issues of common interest” (p. 83)] was counteracted by the surge of the third culture author, who, in the eyes of the general public, more and more stands for the one ‘supposed to know’, trusted to reveal the keys to the great secrets that concern us all. The problem is here again the gap between effective ‘hard’ sciences and their third culture ideological proponents who elevate scientists into subjects supposed to know, not only for ordinary people who buy these volumes in masses, but also for postmodern theorists themselves who are intrigued by it, ‘in love with it’, and suppose that these scientists ‘really know something about the ultimate mystery of being’. The encounter here is failed.” Slavoj ŽIŽEK (2005: 84)Afinal, reduz-se tudo, como cria Nietzsche, a vontade de poder?

________
Slavoj ŽIŽEK (2005). Interrogating the Real. London, New York: Continuum International Publishing Group.

Ciência

Da Ciência - Bricmont e Sokal

23:30

“It is reasonable to conjecture that the relationship between present-day well-confirmed theories and their future successors will be something like the relationship between past well-confirmed theories and their present-day successors. For example, all of modern atomic and elementary-particle physics is based on quantum field theory (including quantum electrodynamics and, more generally, the “standard model” of electromagnetic, weak and strong interactions); and these theories have been empirically verified in vast domains, sometimes to phenomenal accuracy. Likewise, general relativity gives our best current understanding of gravitational phenomena (from baseballs to planets to the universe as a whole); and it too has been confirmed to impressive precision in wide domains. Nevertheless, we are reasonably sure that these two theories cannot both be exactly true, because their fundamental ontologies are mutually incompatible. […] Whether this process stops somewhere at some fundamental, “final” theory or whether there are theories “all the way down”, no one knows. Either way, it is reasonable to expect that the fundamental ontologies of both quantum field theory and general relativity will survive in future theories as non-fundamental “coarse-grained” ontologies valid in specific domains to specific degrees of accuracy.” Jean Bricmont & Alan Sokal (2001: 22) (sublinhado meu) 
“Since no existing theory purports to be a final theory, there is no reason to consider it as literally true or to worry too much about whether the entities it postulates “really exist”. Or rather, when worrying about whether the unobservable entities of a given theory “really exists”, it is important to distinguish existence as a fundamental constituent of the universe from existence in some coarse-grained sense. It is a reasonable guess that none of the theoretical entities in our present-day theories are truly fundamental, and that all of the theoretical entities in our present-day well-confirmed theories will maintain some status as entities in future theories.” Jean Bricmont & Alan Sokal (2001: 22) (sublinhado meu)
__________
Jean Bricmont & Alan Sokal (2001). “Defense of a Modest Scientific Realism” em http://www.physics.nyu.edu/~as2/bielefeld_final_rev.pdf a 25/01/08

Filosofia

Da esperança

11:46

"Apercebo-me, pois, aqui de que a esperança não pode ser iludida para sempre, e que pode assaltar até aqueles que dela se julgavam libertos."


Albert CAMUS (2005). O Mito de Sísifo. Lisboa: Editora Livros do Brasil. P. 102

Linguística

Benveniste e referência

14:55

Ao definir a enunciação como acto individual de utilização da língua, Benveniste traz a debate a distinção de langue e parole inaugurada por Saussure. Mas o que interessa a Benveniste não é somente o texto do enunciado, mas “l’acte même, les situations où il se réalise, les instruments de l’accomplissement” (Benveniste, 1974: 81).

O enunciado existe na medida em que é proferido por um locutor e serve à construção de sentidos. Mas Benveniste vem defender que o acto enunciativo não pressupõe apenas um locutor, um eu, ele traz consigo também a noção de um alocutário, um tu, o que pressupõe uma visão dialógica da língua: “dès qu’il se déclare locuteur et assume la langue, il implante l’autre en face de lui” (Benveniste: 1974: 82) . É esta visão dialógica que está presente quando Benveniste vem afirmar que o que caracteriza a enunciação, em geral, é “l’accentuation de la relation discursive au partenaire”.

Não deixamos de pressentir aqui uma contradição: por um lado a enunciação é definida como um acto individual de utilização da língua, por outro lado, ela implica uma “relation discursive au partenaire”. Na verdade, devemos entender as duas definições como sobrepostas. A enunciação é um acto individual enquanto processo de apropriação e enquanto conversão individual da língua em discurso, mas transforma-se numa relação dialogal no exacto momento em que o locutor se assume como tal, assumindo também, neste momento, o outro, o alocutário.

Nesta relação dialógica surgem os indícios (de pessoa, de temporalidade, de ostension), que não devem confundir-se com a sua categoria gramatical do léxico de uma língua. Estes indícios são-no enquanto tal apenas na enunciação.

A este propósito, Benveniste, no capítulo XV do mesmo livro, faz uma distinção entre semiótica e semântica na tentativa de definir forma e sentido em linguagem e que é bem esclarecedora da distinção entre aquilo que o linguista denomina, logo no início do presente capítulo, “emprego das formas” e “emprego da língua”:

“ A noção de semântica nos introduz no domínio da língua em emprego e acção; vemos desta vez na língua sua função mediadora entre o homem e o homem, entre o homem e o mundo, entre o espírito e as coisas […], organizando toda a vida dos homens. […] Somente o funcionamento semântico da língua permite a integração da sociedade e a adequação ao mundo, e por consequência a normalização do pensamento e o desenvolvimento da consciência” (Benveniste, 1989: 229).

A ideia de que “o funcionamento semântico da língua permite a integração da sociedade e a adequação ao mundo” traz consigo um outro conceito fundamental para a teoria da enunciação de Benveniste: a noção de referência, defendida como parte integrante da enunciação (Benveniste, 1972: 82). A esta noção de referência junta-se uma outra: a noção de “centre de référence interne”, cuja função é “mettre le locuteur en relation constante et nécessaire avec son énounciation” (Benveniste, 1974: 82). É este centro de referência interno que permite a emergência dos índices de pessoa, os índices de temporalidade e aquilo que Benveniste designa de índices de ostension. Uma atenção especial é dada à temporalidade. Ao contrário de considerá-la um quadro inato do pensamento, Benveniste concebe-a apenas no acto da enunciação. E é a partir deste presente da enunciação que se constrói o passado e o futuro e, inclusivamente, o presente formal, exterior ao acto de enunciação.

Podemos concluir afirmando que a teoria de enunciação apresentada por Benveniste vai além do estreito conceito estruturalista de língua como um código estável e predefinido, imanente, para passar a ver a língua também como uma entidade inferencial, dialógica. A enunciação coloca o homem no mundo, no centro do acto enunciativo. E é a partir do acto da enunciação que se constroem sentidos.*

* Texto elaborado para a cadeira de Análise do Discurso do Mestrado em Ciências da Linguagem, 2006/2007, Universidade do Minho (cadeira leccionada pela Professora Doutora Maria Aldina Marques).
_______

Referências bibliográficas :

Émile BENVENISTE (1974). "L'appareil formel de l'énonciation", Problèmes de Linguistique Générale. Tome II. Paris: Gallimard

Émile BENVENISTE (1989). “Cap. 15 - A forma e o sentido da linguagem”, Problemas de Lingüística Geral. Vol. II. Campinas: Pontes Editores

Literatura

"Faz o que quiseres"

15:29

"Toda a sua vida era regida não por leis, estatutos ou regras, mas segundo a sua vontade e franco arbítrio. [...] Assim o estabelecera Gargântua. Na sua regra só havia esta cláusula:

FAZ O QUE QUISERES."


RABELAIS (1987). Gargântua. Mem Martins: Publicações Europa-América. p. 215

Literatura

Voltaire e o existencialismo

15:07

Discurso da velha a Cândido e Cunegundes:

"Mil vezes me quis matar mas, mesmo naquele estado vergonhoso, ainda amava a vida. Esta ridícula fraqueza parece-me ser uma das nossas mais funestas inclinações; porque, em verdade, não há mania mais estúpida e contraditória do que esta de levarmos continuamente um fardo às costas, podendo, em cada instante, deixá-lo cair ao chão; ter horror à nossa existência e continuarmos agarrados a ela"



Voltaire (2003). Cândido ou o optimista. Lisboa: Dom Quixote. p. 53

Sociedade

"I want to be a consumer", Patrick Barrington

23:31

I Want to be a Consumer

"And what do you mean to be?"
The kind old Bishop said
As he took the boy on his ample knee
And patted his curly head.
"We should all of us choose a calling
To help Society's plan;
Then what to you mean to be, my boy,
When you grow to be a man?"

"I want to be a Consumer,"
The bright-haired lad replied
As he gazed into the Bishop's face
In innocence open-eyed.
"I've never had aims of a selfish sort,
For that, as I know, is wrong.
I want to be a Consumer, Sir,
And help the world along."

"I want to be a Consumer
And work both night and day,
For that is the thing that's needed most,
I've heard Economists say,
I won't just be a Producer,
Like Bobby and James and John;
I want to be a Consumer, Sir,
And help the nation on."

"But what do you want to be?"
The Bishop said again,
"For we all of us have to work," said he,
"As must, I think, be plain.
Are you thinking of studying medicine
Or taking a Bar exam?"
"Why, no!" the bright-haired lad replied
As he helped himself to jam.

"I want to be a Consumer
And live in a useful way;
For that is the thing that is needed most,
I've heard Economists say.
There are too many people working
And too many things are made.
I want to be a Consumer, Sir,
And help to further trade."

"I want to be a Consumer
And do my duty well;
For that is the thing that is needed most,
I've heard Economists tell.
I've made up my mind," the lad was heard,
As he lit a cigar, to say;
"I want to be a Consumer, Sir,
And I want to begin today."



Patrick Barrington
1932


Fonte: http://blog.mises.org/blog/

África

África

22:47

"A imaginação catastrófica do Ocidente não sabe ler África senão através de metáforas apocalípticas, como genocídio e limpeza étnica. Se procurasse entender, veria que por detrás da violência estão conflitos de terra e pelo controlo de recursos naturais. E também em relação a eles a Europa não se pode considerar inocente. A politização da etnicidade começou com o colonialismo e se, depois das independências, as potências colonizadoras tivessem cumprido os compromissos assumidos de facilitar a reforma agrária, a tribo dos camponeses pobres não existiria hoje. De África, a Europa só vê as realidades que confirmam a sua nostalgia do colonialismo."

... tentando justificar a sua indiferença.

Boaventura de Sousa Santos, "A África e a Europa" in Visão, Nº 776, 17 de Janeiro 2008, p. 26

Comunicação Social

Há alternativa à hegemonia e homogeneidade dos Meios de Comunicação Social privados?

14:30

A edição deste mês do Le Monde Diplomatique – edição portuguesa dedica um artigo de duas páginas ao Democracy Now, um programa de rádio americano de grande sucesso surgido da militância de um grupo de pessoas de uma comunidade do Tennessee.
O Democracy Now, segundo o artigo, orgulha-se de “tratar a actualidade sem ter na mira o lucro, sem ligações a partidos e sem recursos obtidos através da publicidade, do patrocínio de empresas ou de fundos públicos” (p. 8). Segundo o artigo, “as receitas do programa provêm unicamente dos donativos (ouvintes e associações), dos direitos pagos pelos difusores e da comercialização de DVD e t-shirts” (p. 8).
A escassez de receitas do Democracy Now obriga-o a optar pela diferença que assenta numa “análise da actualidade que reflecte uma hierarquia diferente da que existe nos grandes media. Os seus produtores apoiam-se em fontes acessíveis a todos, particularmente na Internet. A massa de informação disponível permite-lhes escolher os temas e as abordagens que não se encontram em mais lado nenhum, mas faz com que o seu trabalho editorial seja ainda mais decisivo.” (p. 8) Dos sítios de Internet que o Democracy Now pesquisa fazem parte não apenas as agências de informação mas também ONGs e blogues.
De realçar o facto de que o Democracy Now, apesar da sua popularidade e estabilidade financeira actuais, deve o seu arranque e solidificação aos seus voluntários de várias partes do globo. Como refere Karen Ranucci, directora-geral do programa, citada no artigo, “Hoje poderíamos fazer o programa sem o apoio deles [voluntários], mas nunca teríamos chegado a este ponto sem eles” (p. 9).
Há pelo menos duas razões apontadas para a popularidade do Democracy Now: a pluralidade e heterogeneidade de vozes que põe no ar e a opção por uma visão da actualidade diferente da oficial.

__________

Referência bibliográfica: Danielle Follett e Thomas Boothe, “Democracy Now: dar voz à esquerda americana” in Le Monde Diplomatique – secção Portuguesa, nº 15, II série, Janeiro de 2008


Direitos

One Laptop per Child

10:55

Acabo de entrar no site da OLPC para entender o seu projecto. Como vem especificado na sua frase/slogan, a OLPC “It's an education project, not a laptop project.” (Nicholas Negroponte).

Como organização sem fins lucrativos a OLPC tem por missão facultar às crianças dos países em vias de desenvolvimento uma nova forma de aprender, permitindo-lhes, através de um computador cujo custo é de 100 dólares, o XO, o acesso ao mundo e a ferramentas para o explorar:

"OLPC is a non-profit organization providing a means to an end—an end that sees children in even the most remote regions of the globe being given the opportunity to tap into their own potential, to be exposed to a whole world of ideas, and to contribute to a more productive and saner world community."

Como conceito é bem-vindo. Todos os projectos que visam trazer as regiões mais remotas do globo para o seu centro parecem-me apreciáveis. Não obstante, convém sublinhar e repensar a frase que acompanha a exposição dos argumentos a favor do projecto:

“experience strongly suggests that an incremental increase of “more of the same”—building schools, hiring teachers, buying books and equipment—is a laudable but insufficient response to the problem of bringing true learning possibilities to the vast numbers of children in the developing world.”

Convém não relegar para o plano do supérfluo todas as necessidades que vêm designadas como "mais do mesmo": construção de escolas, contratação de professores, compra de livros e de equipamento.

Livros

Missão

22:42


"- Missão, qual missão? Missão é uma palavra parva. Eu não tenho missão nenhuma. Ninguém tem missão nenhuma. E é um alívio enorme uma pessoa perceber que é livre, que não tem missão nenhuma." Kundera (1988: 352)


Livres? E que faço eu com a minha consciência?
___________

Referência bibliográfica: Milan KUNDERA (1988). A insustentável leveza do ser. Lisboa: Publicações Dom Quixote. 26ª edição, 2004

Literatura

"Pertença", Anthero Monteiro

21:51

Tenho este poema guardado debaixo do vidro da minha secretária há já quase cinco anos; oferta do autor. Desconheço se já foi editado. Se o foi, Anthero, peço-te que me informes. Abraço!

: PERTENÇA :

tenho-te porque não te possuo
também são minhas as estrelas inalcançáveis
e é minha a noite com seus dedos indefinidos
são meus os acenos das magnólias de fevereiro
e a sua fragância em março dissipada

tenho-te porque estremeces no poema das horas
e na cadência e decadência dos meus versos
porque és tinta vibrante dos poentes
água dos oceanos insubmissos
e do orvalho trémulo dos meus olhos

também são meus os acordes da criação
os delírios do piano de keith jarrett
a árvore que puseram diante da minha janela
com um presente de gorjeios
a música safira do teu sorriso
e a promessa sempre adiada dos teus lábios

tenho-te fugaz como à concordia universal
como ao abraço do vento e das searas
como ao roçarda asa dos instantes
como ao ardil estético da aranha
como à cor da minha inútil esperança

tenho-te água brotando da pedra
jamais tocada pela avidez dos lábios
és-me cristalina e bela e tenho-te ao dispor
e pois que te quero assim nunca te possuirei
mas serás minha para sempre

que é o mesmo que dizer

para nunca mais

Anthero Monteiro
(Aveiro, 13/06/03)

Humanidades

"Os intelectuais e o poder", a representação, a teoria e a prática

15:39


A 2 de Março de 1972, conversavam Michel Foucault e Giles Deleuze sobre o papel dos intelectuais:

«M. F. : [...] o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte desse sistema de poder, a idéia de que eles são os agentes da "consciência" e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual não é mais o de se colocar "um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exactamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da "consciência", do discurso.

É por isso que a teoria não expressará, não traduzirá uma prática; ela é uma prática. Mas local e regional [...], não totalizadora. [...] Luta não para uma "tomada de consciência" (há muito tempo que a consciência como saber está adquirida pelas massas [...] ), mas para a destruição progressiva e a tomada do poder ao lado de todos aqueles que lutam por ela, e não na retaguarda, para esclarecê-los. Uma "teoria" é o sistema regional desta luta.
G. D. : Exactamente. Uma teoria é como uma caixa de ferramentas [...]. É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo teórico que deixa então de ser teórico, ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se outras; há outras a serem feitas [...]. A teoria não totaliza; a teoria se multiplica e multiplica. [...] A meu ver, você foi o primeiro a nos ensinar - tanto em seus livros quanto no domínio da prática - algo de fundamental: a indignidade de falar pelos outros. Quero dizer que se ridicularizava a representação, dizia-se que ela tinha acabado, mas não se tirava a conseqüência desta conversão "teórica", isto é, que a teoria exigia que as pessoas a quem ela concerne falassem por elas próprias.» Foucault (1979: 71, 72) (sublinhado meu)


______________


Referência bibliográfica: Michel FOUCAULT (1979), "Os Intelectuais e o Poder", Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. 20ª edição, 2004

Livros

Utopia, socialismo e movimentos sociais

20:45

Em Pela mão de Alice: o social e o político na pós modernidade, no capítulo intitulado "Subjectividade, cidadania e emancipação", Boaventura de Sousa Santos defendia que seriam os novos movimentos sociais a criar um novo paradigma na era da pós-modernidade. O projecto da modernidade deveria caracterizar-se pelo equilíbrio entre regulação (por parte do Estado) e emancipação (por parte da sociedade). Defendia, então, Sousa Santos que seriam os novos movimentos sociais a travar o excesso de regulação do Estado. Para Boaventura de Sousa Santos os novos movimentos sociais preconizavam um novo paradigma social em que a cultura e a qualidade de vida ganham importância, denunciavam os excessos de regulação e as novas formas de opressão resultantes das relações de produção e valorizavam o quotidiano, “o campo privilegiado de luta por um mundo melhor”.
A teoria da emancipação, segundo Sousa Santos, deveria pautar-se pelas seguintes características: aceitar o capitalismo e o liberalismo como condições reais do sistema mundial e repensar o socialismo como “a utopia de uma sociedade mais justa e de uma vida melhor”, o princípio regulador da transformação pela emancipação da realidade sem se tornar algo de existente. A teoria da emancipação deveria ser entendida como um conjunto de lutas num processo sem fim determinado e fazer emergir a sociedade-providência, que não exclui o Estado das prestações sociais - na crença de que o Estado é um mal necessário e que a última etapa das utopias sociais é, inevitavelmente, o Socialismo (será, realmente, o Socialismo a paragem final das utopias sociais?).
Passados catorze anos da primeira edição do livro de Boaventura, ele faz ainda todo o sentido. Mas podemos continuar a perguntarmo-nos: onde estão os novos movimentos sociais em Portugal?
_____________

Boaventura de Sousa SANTOS (1994), Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Porto: Afrontamento.

Cultura

Do desejo (Jung, Freud e Barthes)

18:51




Imagem retirada de http://elaseetc.blogspot.com/



Ao ler o excerto de Jung (1) não pude deixar de me deter no retorno à figura da Mãe, que Jung põe em evidência. Aliás, parece ser esse o tema central do excerto, bem como o simbolismo da relação incestuosa mãe-filho, que poderá corresponder à fase fálica (ou pré-edipiana) em Freud. A propósito desta questão, lembrei-me de uma passagem de Roland Barthes em Fragmentos de um Discurso Amoroso onde o autor define o abraço apaixonado:

"1. Fora do acasalamento […] há este outro abraço, que é um enlace imóvel: estamos encantados, enfeitiçados: estamos no sono, sem dormir; estamos na voluptuosidade infantil do adormecimento: é o momento das histórias contadas, o momento da voz, que me vem fixar, siderar, é o retorno à mãe […]. Neste incesto reconduzido, tudo fica suspenso: o tempo, a lei, o proibido: nada se esgota, nada se quer: todos os desejos estão abolidos pois parecem definitivamente realizados.2. Porém, no meio deste abraço infantil, o genital acaba fatalmente por surgir; destrói a sensualidade difusa do abraço incestuoso; a lógica do desejo põe-se em movimento, regressa ao querer-para- si, o adulto sobrepõe-se à criança. Sou, então, simultaneamente dois sujeitos: quero a maternalidade e a genitalidade. (O apaixonado poderia definir-se: uma criança que se revolta: assim era o jovem Eros)." 
(R. Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso, Lisboa, Edições 70, pp. 21-22) 
Fiquei na dúvida se deveria usar o excerto de Barthes para fazer a ponte entre Jung e Freud, mas pareceu-me haver semelhanças. Na verdade, o sacrifício ritual do corte da seiva no excerto de Jung traz consigo a ideia de castração de Freud: a passagem da fase fálica à interiorização da lei em Freud, ou a passagem do infantil à idade adulta, o processo de independência e autonomia: a separação. 
Ainda sobre o tema da Mãe/materno, não resisto a colocar uma questão: não poderá a figura da Mãe representar o mundo seguro, estável, protector, inquestionável, sensível, com as suas verdades inabaláveis? E não significará o processo de crescimento/autonomização/separação a revolta do eu contra esse mesmo mundo protector e seguro mas também dogmático, imperativo, homogéneo, na ideia de que aquilo que ao mesmo tempo nos protege, tranquiliza e dá segurança, também nos impede de crescer? É talvez este crescimento que se depreende das palavras de Roland Barthes (tomando por modelo Freud) em que "no meio deste abraço infantil [o recuar ao mundo seguro e protector] o genital acaba fatalmente por surgir […] a lógica do desejo põe-se em movimento, regressa ao querer-para-si, o adulto sobrepõe-se à criança".
O curioso é que Barthes não conclui, não há desfecho: "quero a maternalidade e a genitalidade".
Não será esta questão da simultaneidade dos desejos do mesmo âmbito que a questão sobre a singularidade do sujeito versus a espécie, ou sobre a inalterabilidade versus alterabilidade da líbido (questões alvo de reflexão por Sloterdijck, Deleuze e Guattari)? *


____________

* Texto elaborado para o Curso Breve "O Inconsciente e o Sagrado" - 2006/2007 (leccionado pela Professora Doutora Cristina Álvares, Departamento de Estudos Franceses, Universidade do Minho)




(1) "En Gaule, le druide ne devait monter sur le chêne sacré pour y couper le gui rituel qu’au cours de cérémonies solennelles et après avoir accompli des sacrifices. Ce qui pousse sur l’arbre c’est l’enfant que l’on serait soi-même, image renouvelée et rajeunie, et c’est précisément ce que l’on ne peut avoir parce que la prohibition de l’inceste s’y oppose (…). Le gui, parasite poussant sur un arbre, est comme ‘l’enfant de l’arbre’. L’arbre ayant, nous l’avons vu, une signification d’origine, comme la mère, représente commencement et source de vie, c’est-à-dire cette force vitale magique si familière au primitif, dont on fêtait le renouvellement annuel par la vénération d’un fils divin, d’un ‘puer aeternus’ (…). Les êtres de ce type n’ont en partage qu’une courte vie, car ils ne sont que des anticipations de quelque chose que l’on désire et espère. C’est là une réalité telle qu’un certain type ‘fils à maman’ présente ‘in concreto’ les caractères du jeune dieu florissant, au point qu’il est emporté par une mort prématurée. La raison en est qu’il ne vit que sur et par la mère, qu’il ne pousse de lui-même aucune racine dans le monde, par conséquent qu’il vit dans un inceste perpétuel. Il est, pourrait-on dire, un rêve de la mère (…) bientôt englouti à nouveau. Nous en avons des exemples excellents dans les fils dieux de l’Asie Mineure comme Tammuz, Attis, Adonis et le Christ.(…) Par conséquent le druide qui le [le gui] coupe le tue aussi, renouvelant par cet acte l’autocastration mortelle d’Attis et la blessure que fit à Adonis la dent du sanglier. Tel est le rêve de la mère à l’ère matriarcale, alors qu’il n’y avait pas encore de père qui se tînt à côté du fils." (Jung, Métamorphoses de l’âme et ses symboles, 1912, p.434)

Linguagem

Do riso

15:10

Que a linguagem se desenvolveu como fenómeno social não parece ser nada de novo. O curioso na proposta de Robin Dunbar é a analogia que o autor estabelece entre a linguagem nos humanos e o catamento social nos primatas não-humanos: ambos funcionam como mecanismo unificador de grupos. Mais do que para trocar informação, segundo Dunbar, nós usamos a linguagem para o mesmo objectivo que os macacos usam o catamento social: criar ligações de proximidade e intimidade com o Outro.
Mas há questões físicas implicadas no processo de catamento nos macacos. Segundo Dunbar, o catamento permite libertação de endorfinas, desencadeando uma sensação de relaxamento e bem-estar:

"o catamento produz uma sensação de bem-estar nos seus receptores e parece ser esse efeito o mecanismo próximo que permite ao catamento funcionar como agente de ligação. [...] essa sensação de bem-estar converte-se numa disponibilidade para um apoio mútuo nos conflitos" (p. 123).

Segundo o autor nos humanos passa-se algo de semelhante, não propriamente através do catamento - embora o usemos nos nossos relacionamentos mais íntimos (e precisamente "nas circunstâncias em que abandonamos completamente a linguagem") - mas através do riso.
Como refere Dunbar,

"Tal como o catamento, o riso parece encorajar-nos a ficar no mesmo lugar e a continuar a interagir com um parceiro específico. Inunda o nosso cérebro de endorfinas e faz-nos sentir francamente inclinados para a outra pessoa." (p. 126)

Dunbar acaba o seu sub-capítulo dedicado ao riso com a seguinte afirmação:

"Aparentemente, em algum ponto do curso da evolução humana, pedimos emprestado aos chimpanzés o seu rosto de brincadeira e as vocalizações associadas e exageramo-los de modo a conseguir um reforço do catamento à distância. Dado que as áreas do cérebro dedicadas ao riso e à linguagem parecem ser muito diferentes [...] o riso pode bem ter-se desenvolvido muito antes da linguagem. [...] As piadas, aparentemente, têm um historial muito antigo, com toda a probabilidade muito mais antigo do que qualquer outra coisa que façamos com a linguagem." (p.127) (sublinhado nosso)
_______

Referência bibliográfica: Robin DUNBAR (2006), A História do Homem - uma nova história da evolução da humanidade. Lisboa: Quetzal Editores

Ciência

Da ciência

01:54

Há alguns meses estive numa conferência sobre "Ciência e Religião" e eu saí do lugar a entender melhor a discussão entre as chamadas "ciências" e as "humanidades". Lembrei-me do livro Imposturas Intelectuais logo após o discurso de um dos conferencistas. Nesse discurso, empolado, propositadamente ou não [devo confessar que fiquei na dúvida], punha-se em causa a utilidade das ciências. O conferencista acusava as ciências de criarem um mundo paralelo e de esquecerem as verdadeiras questões do ser humano, como a questão "difícil" da consciência. Acusou os cientistas de construírem uma nova realidade e de se entreterem com brinquedos criados por si próprios, ignorando as questões fundamentais da vida.
Havia um tom anedótico no discurso e a certa altura pareceu-me o conferencista mais um entertainer do que um conferencista e o seu discurso mais uma estratégia de diversão do que um texto sério e académico. O mais curioso da questão é que no final do seu discurso o senhor chamava a atenção do público para o carácter dúbio das suas palavras. Em resumo, ele pretendia criar a dúvida acerca da sua posição em relação ao discurso que acabava de proferir, reiterando, não obstante e curiosamente, que acreditava no que dissera. Infelizmente o único comentário que este discurso mereceu foi o de um outro conferencista, que por acaso era físico.
Fiquei seriamente desiludida no início, mas ao pensar na questão mais tarde em casa, reconheci que o tom irónico, abusado até, daquele discurso sobre as ciências levanta questões sérias.
A primeira questão é a da tentativa de criar uma discussão (no caso saiu frustrada; e teria sido interessante assitir ao debate). Ao levantar a dúvida sobre a autenticidade do seu discurso, ao criar para si o papel de parodiante, de entertainer, o conferencista levantava a questão sobre o que prevalece: os factos ou os argumentos? A ter surgido uma discussão no público, o conferencista podia optar pela posição que quisesse: afastar-se do seu discurso ou defendê-lo. Ir de encontro às ideias dos comentadores ou defendê-las. Criar disputa ou consenso. Quaisquer que fossem as posições do público, estava nas mãos do conferencista a direcção do discurso. Quaisquer que fossem os meus argumentos, ou os de qualquer espectador atento, estaria arrasada pelo carácter dúbio do discurso proferido. E nisso tenho de lhe tirar o chapéu.
A segunda questão, talvez mais interessante, prende-se com a crítica que foi feita às ciências. Talvez possamos pensar que descobrir a cura para o cancro ou criar formas de produção massiva de alimentos que acabem com a fome no mundo não sejam propriamente brinquedos com os quais possamos parodiar de ânimo leve. Não obstante, fica sempre a questão de entender se essas fabricações da ciência bastam ao ser humano.
Talvez as ciências se hasteiem de resultados, efectivamente visíveis, porque reais e muito práticos, mas, e no mais? Será que mais qualidade de vida, mais abundância, a nível global, bastariam? Criamos mais e mais e mais e mais… e quanto maior é o mais material, mais insatisfeitos.
Há sem dúvida uma falta de qualquer coisa. Há um vazio com o qual nos é difícil lidar, ateus niilistas do século XXI. Talvez estejamos todos à espera de alguma coisa em que acreditar; venham as respostas ou propostas de onde vierem. Talvez possamos prescindir, de boa vontade, de ter razão, talvez não queiramos, de facto, protagonismo, desde que nos seja revelada a Verdade.
Custa-nos abandonar a ideia de verdade absoluta: tínhamo-la num Deus, transferimo-la para a ciência e tecnologia e agora … ninguém sabe.

África

Quénia

01:23

Considerado o país mais estável e próspero da África subsariana, o Quénia vive momentos de violência, desencadeada após o anúncio da reeleição do presidente do país.
Várias vozes se erguem alertando para as semelhanças entre os confrontos destes últimos dias e o Genocídio de Ruanda em 1994.
Talvez seja importante também sublinhar as plavras de Kofi Annan, há sete anos atrás:

"We have to draw lessons from Rwanda, but we have to draw the right lessons. And if we do not draw the right lessons we will repeat it. Some are given the impression that the international community did not act because they did not get a cable, they did not have the information. That is blatantly false. The overwhelming reason for failure in Rwanda was lack of will and lack of resources." Kofi Annan (UN Secretary General) The Princeton Club in New York City on May 6, 2000 (em http://www.amahoro.nl/a1/_a/amahoro.asp?id=PRE11&l=EN).

(As oito fases do genocídio e as doze formas de o negar, pela Genocide Watch:
http://www.genocidewatch.org/aboutgenocide/12waystodenygenocide.html)

América latina

Pierre Aderne

14:54

No final do livro das canções do CD de Pierre Aderne (Casa de Praia, 2005) pode encontrar-se a seguinte observação:

"Se quiser, consuma mesmo que seja genérico! Pirataria é crime, mas viver sem música é castigo."

Nada mais a dizer.

Parabéns pelo som, Pierre!

Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.