"Pertença", Anthero Monteiro

21:51

Tenho este poema guardado debaixo do vidro da minha secretária há já quase cinco anos; oferta do autor. Desconheço se já foi editado. Se o foi, Anthero, peço-te que me informes. Abraço!

: PERTENÇA :

tenho-te porque não te possuo
também são minhas as estrelas inalcançáveis
e é minha a noite com seus dedos indefinidos
são meus os acenos das magnólias de fevereiro
e a sua fragância em março dissipada

tenho-te porque estremeces no poema das horas
e na cadência e decadência dos meus versos
porque és tinta vibrante dos poentes
água dos oceanos insubmissos
e do orvalho trémulo dos meus olhos

também são meus os acordes da criação
os delírios do piano de keith jarrett
a árvore que puseram diante da minha janela
com um presente de gorjeios
a música safira do teu sorriso
e a promessa sempre adiada dos teus lábios

tenho-te fugaz como à concordia universal
como ao abraço do vento e das searas
como ao roçarda asa dos instantes
como ao ardil estético da aranha
como à cor da minha inútil esperança

tenho-te água brotando da pedra
jamais tocada pela avidez dos lábios
és-me cristalina e bela e tenho-te ao dispor
e pois que te quero assim nunca te possuirei
mas serás minha para sempre

que é o mesmo que dizer

para nunca mais

Anthero Monteiro
(Aveiro, 13/06/03)

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