De desporto, artes marciais e violência

19:08

Na minha infância, na casa dos meus pais, o desporto sempre foi muito importante. O meu pai sempre jogou futebol desde que se lembra, ajudou a fundar o clube de futebol da sua terra, foi aí jogador e, mais tarde, acabou por ser também treinador. Continua ligado ao clube até hoje. Fez também ioga e meditação com franciscanos holandeses enquanto andou pelo seminário. 
O meu irmão entrou em competições de atletismo ainda muito novo, com pouco mais de 12 anos, se bem me lembro. Ele era velocista: corria os 100 metros livres e os 100 metros barreiras brilhantemente, para além do salto em comprimento. Recebeu algumas medalhas em campeonatos nacionais e internacionais, muitas já como atleta federado. Licenciou-se em Ciências do Desporto e é hoje professor de Educação Física, juntamente com a esposa. 
Quanto a mim, odiava correr, especialmente longas distâncias. Não é que eu fosse particularmente má, simplesmente preferia treinos de força: lembro-me de conseguir a melhor marca da turma em lançamento do peso e adorava fazer abdominais. As corridas, os jogos de grupo e, principalmente, as competições, eram um pesadelo. Com 14 anos, na falta de outras actividades com que ocupar os tempos livres, e convencida de que a prática de uma arte marcial me ajudaria a defender-me, inscrevi-me nos treinos de Taekowndo. 


O Taekowndo é, como quase todas as artes marciais, uma filosofia de vida de raízes orientais - neste caso coreana -, que junta o treino físico ao treino da mente, com exercícios que vão desde a respiração e a concentração (meditação) aos combates e testes de quebra. Com a prática também conseguimos adquirir algumas palavras de coreano, indispensáveis para passar de nível e mudar a cor do cinto. Quem viu os filmes do Karate Kid consegue ter uma ideia (sem os cenários românticos dos templos budistas à mistura e tendo em atenção que o Caraté é bastante diferente do Taekowndo). Há corrida, treinos de resistência, força, equilíbrio e velocidade, mas o que eu mais gostava nos treinos eram os exercícios de flexibilidade, onde eu era razoavelmente boa (as raparigas geralmente são melhores nisso), e as hyong's (taeguks ou pumsaes ou poomsaes), que são as sequências de movimentos de defesa e ataque que parecem verdadeiros exercícios de dança coreografados. Muito parecidos com Tai-chi, na minha opinião. Durante a minha passagem pelo Taekowndo fiz alguns combates que me valeram algumas medalhas.


Há tempos publiquei no mural do meu Facebook uma foto de um diploma meu de campeã nacional de séniores femininos, que ganhei quando ainda era júnior, com 16 anos. Muitas pessoas ficaram surpreendidas. Promovendo-me eu pacifista, com uma calma aparente, de fazer irritar aqueles que parecem viver a mil à hora num frenesim diário, e repudiando todas as formas de violência, é difícil explicar a razão pela qual fui atleta de artes marciais. Mas a razão é simples, no entanto: eu queria saber defender-me. Esse era o meu primeiro objectivo quando me federei. Na verdade, é difícil explicar a alguém que nunca praticou artes marciais a relação entre elas e a violência. Como me foi dito vezes sem conta nos treinos, o Taekowndo - e assumo que o mesmo se aplica às restantes artes marciais - tem muito pouco a ver com violência. É uma arte de defesa e não de ataque. António Medeiros consegue explicar este aparente paradoxo com o excerto seguinte:
"No sector das Artes Marciais, a expressão de violência mais acessível são as competições de combates. Estes, por sua vez, são um mal necessário, pois, embora contrariando o espírito marcial, foram um importante meio de divulgar as Artes Marciais. Mas a verdade é que uma arte marcial não incrementa a violência. Esta actividade tende a confiná-la dentro de mentes sadias e fortes, através de um treino que leva o indivíduo a uma grande autoconfiança e serenidade. […] Todos os praticantes, ao iniciarem a sua prática de Taekwon-Do, são ensinados a usarem as técnicas desta arte marcial somente em último caso."
António Medeiros (2001). Taekown-Do Hyong. Porto: Plátano Edições Técnicas, p. 392
O Taekowndo tem muito de ioga e meditação (creio que foi o Taekwondo que me ensinou a gostar de ioga até hoje) e, para os verdadeiros mestres, é uma verdadeira filosofia de vida. 
Eu nunca tive de usar as tácticas de defesa pessoal do Taekowndo na vida fora dos treinos. De qualquer forma, convém ter em mente que as situações em que alguém de constituição física mais frágil consegue sair vencedor numa situação limite de confronto físico só acontecem nos filmes hollywoodescos. Haruki Murakami consegue retratar esse ponto de forma brilhante e contundente no seu livro 1Q84:
"Na opinião de Aomame, se uma mulher não fosse capaz de desferir um pontapé valente nos tomates de um tipo ao ser atacada por ele, pouco mais poderia fazer. Era praticamente impossível safar-se, no meio de um combate a sério, recorrendo à técnica sofisticada que consistia em agarrar o adversário pelo braço e torcê-lo atrás das costas. Isso só acontecia nos filmes; na vida real era diferente. "
Haruki Murakami (2009). 1Q84. Alfragide: Casa das Letras, p. 216
Não há muito mais a acrescentar aqui. Tendo dito isto, o Taekowndo - e creio que todas as restantes artes marciais em geral - ultrapassa a questão da defesa pessoal. Ele fornece princípios e valores fundamentais para a vida, tal como o fazem todos os tipos de desporto. Por isso, hoje, sendo mãe de uma menina de 9 anos e casada com um cinturão negro e antigo mestre de Jiu-jitsu, os princípios do Taekwondo - cortesia, integridade, perseverança, autodomínio e coragem (ou espírito indomável) - continuam a ser valores importantes para passar adiante. 
É possível que a Carol não consiga sair vencedora de uma situação limite de confronto físico, mas esse não é o objectivo. As artes marciais, e sei que posso dizer isto de todos os tipos de desporto, são mais do que isso. Dão-nos auto-estima e confiança para ir para o tatame e vencer o nosso parceiro de luta, contra todas as evidências em contrário. Dão-nos resiliência e força.  Ajudam-nos a conhecer o nosso corpo e a nossa mente, a decidir sobre o que fazer em cada uma das situações do dia-a-dia e, se assim for necessário, a aceitar a derrota. E pode bem acontecer que, estando nós preparadas, derrotemos o adversário pelo elemento surpresa. :)

Braga

IV Congresso Internacional de Teoria e Filosofia Política

12:21


Vai decorrer nos dias 5 e 6 de Novembro de 2013 o IV Congresso Internacional de Teoria e Filosofia Política, na Universidade do Minho. O congresso deste ano tem como tema "Democracia, que Futuro?" e é organizado pelo Centro de Estudos Humanísticos da universidade minhota.

cultura popular

Conferência Internacional sobre Línguas Ameaçadas na Europa, em Minde

16:12



O Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), com sede em Minde, Portugal, organiza, nos dias 17 e 18 de Outubro, a Conferência Internacional sobre Línguas Ameaçadas na Europa. O encontro terá lugar no Centro Ciência Viva do Alviela. O programa provisório pode ser visto aqui. As inscrições podem ser feitas até ao dia 10 de Outubro em http://ele2013.eventbrite.co.uk
De notar que o encontro conta ainda, no dia 19, com um evento sócio-cultural, com a participação de comunidades europeias de línguas ameaçadas e, durante os dois dias da conferência, será possível assistir ao Festival de Música.  

CPLP

Conferência "Língua Portuguesa, Sociedade Civil e CPLP"

13:49




No dia 11 de Outubro decorrerá, na Universidade do Algarve, a conferência "Língua Portuguesa, Sociedade Civil e CPLP", organizada pela Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa da CPLP.
A conferência pretende discutir e reunir os contributos das sociedades civis dos diferentes Estados membros da CPLP para a promoção e valorização da Língua Portuguesa. O programa pode ser consultado aqui. As inscrições podem ser feitas no mesmo endereço.

Literatura

Leituras para tempos bons

14:51


Como afirmou Camus, "só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio" (Camus, 2005: 15). Aqui estão quatro livros sobre o tema, o meu preferido. Os dois da esquerda já os conheço há uns anos, os dois da direita são duas versões literárias que descobri há dias numa livraria. Para ler em tempos bons.

"Mas não façamos literatura. Pelo correio (ou amanhã) registadamente enviarei o meu caderno de versos, que você pode dispor para todos os fins como se fosse seu. (...) Adeus. Se não conseguir arranjar amanhã a estricnina em dose suficiente deito-me debaixo do «Metro»... Não se zangue comigo."
Mário de Sá-Carneiro (1959). Cartas a Fernando Pessoa, 2º volume, pp. 175-176, Lisboa: Edições Ática, citado em Enrique Vila-Matas (2013). Suicídios Exemplares. Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 181.
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Albert Camus (2005). O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o Absurdo. Lisboa: Livros do Brasil.

Galego

Cursos de galego na Universidade de Vigo

09:58



A partir de 19 de Agosto estarão abertas as inscrições para diversos cursos de galego na Universidade de Vigo. Os cursos irão ter início a partir de 9 de Setembro e dividem-se em diferentes modalidades de acesso: em regime presencial, semipresencial ou virtual.
Mais informações podem ser obtidas aqui.

Literatura

"I will not have a single person slighted or left away"

14:48


"[...]

18
With music strong I come, with my cornets and my drums,
I play not marches for accepted victors only, I play marches
     for conquer'd and slain persons.
Have you heard that it was good to gain the day?
I also say it is good to fall, battles are lost in the same spirit in
     which they are won.
I beat and pound for the dead,
I blow through my embouchures my loudest and gayest for
     them.
Vivas to those who have fail'd!
And to those whose war-vessels sank in the sea!
And to those themselves who sank in the sea!
And to all generals that lost engagements, and all overcome
     heroes!
And the numberless unknown heroes equal to the greatest
     heroes known!

19
This is the meal equally set, this the meat for natural hunger,
It is for the wicked just the same as the righteous, I make
     appointments with all,
I will not have a single person slighted or left away,
The kept-woman, sponger, thief, are hereby invited,
The heavy-lipp'd slave is invited, the venerealee is invited;
There shall be no difference between them and the rest.
This is the press of a bashful hand, this the float and odor of
     hair,
This the touch of my lips to yours, this the murmur of yearning,
This the far-off depth and height reflecting my own face,
This the thoughtful merge of myself, and the outlet again.
Do you guess I have some intricate purpose?
Well I have, for the Fourth-month showers have, and the mica
     on the side of a rock has.
Do you take it I would astonish?
Does the daylight astonish? does the early redstart twittering
     through the woods?
Do I astonish more than they?
This hour I tell things in confidence,
I might not tell everybody, but I will tell you.
[...]"

"Song Of Myself" (Secções 18 e 19), de Walt Whitman 





Brasil

Jobim, Vinicius e a Academia Brasileira de Letras

21:19


E eis que a páginas tantas deste livro, me deparo com este relato:
"A letra [da canção "Se todos fossem iguais a você"] também foi alvo dos puristas da língua portuguesa. O crítico José Fernandes identificou a mistura de tratamentos nos versos: “tua vida” (segunda pessoa) e “iguais a você” (terceira pessoa). Vinicius respondeu ao jornalista pegando pesado: 
Ninguém, a não ser a múmia da Academia Brasileira de Letras, dirá à namorada:  “Minha querida, Eu a amo. Você é a coisa mais linda do mundo.” O máximo que obterá da namorada será um comentário com as amigas:  “Ele fala tão difícil...” O que se fala no Brasil é:  “Minha querida, eu te amo. Você é a coisa mais linda do mundo."  (W. Homem & L. Roberto Oliveira, 2012. Tom Jobim. São Paulo: LeYa, p. 45) 
E, pelas piores razões possíveis, aquilo deixou-me a pensar para que serve uma academia de letras. :(


(W. Homem & L. Roberto Oliveira, 2012. Tom Jobim. São Paulo: LeYa, p. 43)



Autores

Au revoir, Stéphane!

17:00


"É preciso compreender que a violência vira as costas à esperança. É preciso preferir a esperança, a esperança da não-violência. É o caminho que devemos aprender a seguir. [...]
A todos aqueles e aquelas que irão fazer o século XXI, dizemos com afecto:
«CRIAR É RESISTIR. RESISTIR É CRIAR.»"

HESSEL, Stéphane (2011). Indignai-vos!. Carnaxide: Editora Objectiva. pp. 36, 40.

Biosfera

Uma Viagem Justa, no Velha-a-Branca

16:34


No próximo sábado, dia 2 de Fevereiro, o Velha-a-Branca tem agendado um encontro sobre Comércio Justo. Com início às 20h00, o evento irá contar com diversas actividades, entre as quais, a visualização de um filme, uma exposições, uma apresentação sobre o tema e um momento musical. Vai ser possível também comprar no local produtos com o carimbo do Comércio Justo.

Cultura

A LINGUIST List

01:38



De todos os sites na área das Ciências da Linguagem que consegui encontrar na Internet, um dos mais abrangentes e útil é, sem dúvida, a LINGUIST List (LL). A LL foi criada em 1990 por Anthony Aristar, na Universidade de Western Australia, para proporcionar um local onde todos os investigadores, académicos e outros interessados na área da Linguística, pudessem trocar e partilhar informação na área. Neste momento a LL está sediada no Institute for Language Information and Technology, na Eastern Michigan University, é financiada maioritariamente por donativos e a grande parte do trabalho de manutenção é feita por voluntários. A LL abriga um conjunto de recursos extremamente úteis para quem faz investigação na área da Linguística, desde uma lista, sempre actualizada, de conferências (http://linguistlist.org/callconf/index.cfm), projectos especialmente direccionados para o multilinguismo e preservação de línguas minoritárias ou em vias de extinção (http://linguistlist.org/projects/), uma lista de pessoas e cursos (http://linguistlist.org/people/), links úteis (http://linguistlist.org/langres/index.cfm), um blog (http://linguistlist.org/blog/), presença nas redes sociais, publicação actualizada de anúncios de emprego (http://linguistlist.org/jobs/index.cfm) e ainda uma livraria online com livros especialmente direccionados para a área (http://linguistlist.org/amazon-faq.cfm). 
Mas de todos os recursos que a LL disponibiliza há um em particular que me parece de grande utilidade para estudantes, iniciados ou não. Refiro-me à possibilidade de receber um livro gratuito em troca de uma recensão a esse mesmo livro (vd. http://linguistlist.org/pubs/reviews/index.cfm). A LL permite que qualquer pessoa interessada no estudo de línguas se inscreva para escrever recensões a um ou vários livros disponíveis na base de dados. Os autores ficam sujeitos a uma aprovação prévia pela comissão científica, após a qual basta escolher a sub-área de interesse e o título do livro que se quer trabalhar. Depois deste processo, o livro é ou não atribuído. A atribuição do livro está directamente relacionada com a área de pesquisa do candidato: publicações do candidato em linguística de corpora, por exemplo, dar-lhe-ão mais possibilidades de ser escolhido para fazer recensões de livros sobre linguística de corpora. Devo mencionar também que o tempo de espera entre a notificação de aceitação para uma recensão e a chegada do livro a casa é muito curta e muitos dos livros disponíveis são publicações  recentes. Portanto, são só vantagens: um livro gratuito, uma pressão positiva para ler um livro interessante para o nosso trabalho, uma pressão positiva para escrever e uma publicação.
Um sítio muito útil e gratuito para quem se dedica ao estudo das línguas. 


;D

Nota: Post publicado também, com algumas alterações, no blog colaborativo Chapa Branca

doutoramento

Doutoramento, fase 1

10:30




Ora é precisamente isto que tenho para já: o esquema da tese. 
Se se meteram a fazer um doutoramento, já devem ter pelo menos passado esta fase. Ela é necessária para serem aceites nalguns programas de doutoramento, principalmente aqueles que não incluem parte curricular. Se ainda estão na parte curricular ou se ainda não começaram a trabalhar o esquema para a tese, esta pequena apresentação de Steve Easterbrook, da Universidade de Toronto, pode dar uma ajudinha para uns primeiros esboços. Se se entusiasmaram com a ideia, este guia, da Universidade de Queensland, pode ajudar a perceber alguns dos passos necessários para escrever a tese. E para um estudo mais detalhado, com conselhos muito práticos, deve ajudar o livro Authoring a PhD: How to Plan, Draft, Write and Finish a Doctoral Thesis or Dissertation, de Patrick Dunleavy, que é especialmente direccionado para as Ciências Sociais e as Humanidades. O título é bem elucidativo do conteúdo do livro. É bem tudo o que promete. Ele está disponível em versão Kindle por pouco mais de 20 dólares. 
Um livro que serve de guia para o processo e para a forma é mais do que suficiente, creio. Caso contrário, perdem o tempo que deveriam estar a usar na própria pesquisa, o conteúdo da tese.
E já temos trabalho para alguns dias!

Filosofia

Da culpa

03:02


"Compreendi, então, sem revolta, como nos resignamos a uma ideia cuja verdade se conhece há muito tempo, que aquele grito que, anos antes, havia retinido sobre o Sena, atrás de mim, não tinha cessado, levado pelo rio para as águas da Mancha, de caminhar pelo mundo, através da extensão ilimitada do oceano, e que aí me esperava até àquele dia em que o encontrara. Compreendi, também, que ele continuaria a esperar-me sobre os mares e os rios, por toda a parte enfim onde se encontrasse a água amarga do meu baptismo. Mesmo aqui [...] não estamos nós sobre a água? [...] Nunca mais sairemos desta pia de água benta. [...]
Acabara-se a vida gloriosa, mas também a raiva e os sobressaltos. Era preciso submeter-me e reconhecer a minha culpabilidade. Era preciso viver no «desconforto». É verdade, o senhor conhece aquela cela de masmorra a que na Idade Média chamavam o «desconforto»? Em geral, esqueciam-nos aí para o resto da vida. Esta cela distinguia-se das outras por engenhosas dimensões. Não era suficientemente larga para se poder estar de pé nem suficientemente alta para se poder estar deitado. Tinha de se adoptar o género tolhido, viver em diagonal; o sono era uma queda, a vigília um acocoramento. Meu caro, havia génio, e eu peso as minhas palavras, nesta descoberta tão simples. Todos os dias, pelo imutável constrangimento que anquilosava o seu corpo, o condenado sabia que estava culpado e que a inocência consiste em nos espreguiçarmos gostosamente. [...] Podia viver-se nesta cela e ser-se inocente? Improvável [...]. Que a inocência seja forçada a viver corcunda, recuso-me a considerar por um segundo esta hipótese. De resto, nós não podemos afirmar a inocência de ninguém, ao passo que podemos afirmar com segurança a culpabilidade de todos. Cada homem atesta o crime de todos os outros, eis a minha fé e a minha esperança. [...]
Conte-me então [...] o que lhe aconteceu uma noite nos cais do Sena e como conseguiu nunca mais arriscar a vida. Pronuncie o senhor mesmo as palavras que, há anos, não cessam de retinir nas minhas noites e que eu direi enfim pela sua boca: «Ó pequena, deita-te de novo à água para que eu tenha pela segunda vez a sorte de nos salvar a ambos! Pela segunda vez, hein?, que imprudência! Suponha, caro colega, que nos tomam à letra. Teríamos de cumprir. Brr...! A água está tão fria! Mas tranquilizemo- nos! É tarde de mais, agora, será sempre tarde de mais. Felizmente!"

Albert CAMUS (2008). A Queda. Lisboa: Editora Livros do Brasil, pp. 85, 86, 113. (sublinhado meu)

Literatura

"The Men That Don't Fit In"

13:35

~by Robert W. Service~

There's a race of men that don't fit in,
    A race that can't stay still;
So they break the hearts of kith and kin,
    And they roam the world at will.
They range the field and they rove the flood,
    And they climb the mountain's crest;
Theirs is the curse of the gypsy blood,
    And they don't know how to rest.

If they just went straight they might go far;
    They are strong and brave and true;
But they're always tired of the things that are,
    And they want the strange and new.
They say: "Could I find my proper groove,
    What a deep mark I would make!"
So they chop and change, and each fresh move
    Is only a fresh mistake.

And each forgets, as he strips and runs
    With a brilliant, fitful pace,
It's the steady, quiet, plodding ones
    Who win in the lifelong race.
And each forgets that his youth has fled,
    Forgets that his prime is past,
Till he stands one day, with a hope that's dead,
    In the glare of the truth at last.

He has failed, he has failed; he has missed his chance;
    He has just done things by half.
Life's been a jolly good joke on him,
    And now is the time to laugh.
Ha, ha! He is one of the Legion Lost;
    He was never meant to win;
He's a rolling stone, and it's bred in the bone;
    He's a man who won't fit in.

Farewell Aaron (1986-2013)

12:49




Guerilla Open Access Manifesto

Information is power. But like all power, there are those who want to keep it for themselves. The world's entire scientific and cultural heritage, published over centuries in books and journals, is increasingly being digitized and locked up by a handful of private corporations. Want to read the papers featuring the most famous results of the sciences? You'll need to send enormous amounts to publishers like Reed Elsevier. 
There are those struggling to change this. The Open Access Movement has fought valiantly to ensure that scientists do not sign their copyrights away but instead ensure their work is published on the Internet, under terms that allow anyone to access it. But even under the best scenarios, their work will only apply to things published in the future. Everything up until now will have been lost. 
That is too high a price to pay. Forcing academics to pay money to read the work of their colleagues? Scanning entire libraries but only allowing the folks at Google to read them? Providing scientific articles to those at elite universities in the First World, but not to children in the Global South? It's outrageous and unacceptable.  
"I agree," many say, "but what can we do? The companies hold the copyrights, they make enormous amounts of money by charging for access, and it's perfectly legal — there's nothing we can do to stop them." But there is something we can, something that's already being done: we can fight back.
Those with access to these resources — students, librarians, scientists — you have been given a privilege. You get to feed at this banquet of knowledge while the rest of the world is locked out. But you need not — indeed, morally, you cannot — keep this privilege for yourselves. You have a duty to share it with the world. And you have: trading passwords with colleagues, filling download requests for friends.


Meanwhile, those who have been locked out are not standing idly by. You have been sneaking through holes and climbing over fences, liberating the information locked up by the publishers and sharing them with your friends. 

But all of this action goes on in the dark, hidden underground. It's called stealing or piracy, as if sharing a wealth of knowledge were the moral equivalent of plundering a ship and murdering its crew. But sharing isn't immoral — it's a moral imperative. Only those blinded by greed would refuse to let a friend make a copy. 
Large corporations, of course, are blinded by greed. The laws under which they operate require it — their shareholders would revolt at anything less. And the politicians they have bought off back them, passing laws giving them the exclusive power to decide who can make copies. 
There is no justice in following unjust laws. It's time to come into the light and, in the grand tradition of civil disobedience, declare our opposition to this private theft of public culture. 
We need to take information, wherever it is stored, make our copies and share them with the world. We need to take stuff that's out of copyright and add it to the archive. We need to buy secret databases and put them on the Web. We need to download scientific journals and upload them to file sharing networks. We need to fight for Guerilla Open Access.  
With enough of us, around the world, we'll not just send a strong message opposing the privatization of knowledge — we'll make it a thing of the past. Will you join us? 
Aaron Swartz July 2008, Eremo, Italy
Fonte: http://archive.org/details/GuerillaOpenAccessManifesto

Blogosfera

Estatísticas do blog

22:34

E não é que quase metade dos leitores deste blog usa Linux como sistema operativo?! Não sei o que isto diz do blog, mas sei que diz muito bem de vocês ;)



Arte

"Quem são os meus contemporâneos?"

13:55


Imagem: Galeano (2005: 242)

"Quem são os meus contemporâneos? - pergunta-se Juan Gelman.
Juan diz que às vezes encontra homens que têm cheiro de medo, em Bueno Aires, em Paris ou em qualquer lugar, e sente que esses homens não são seus contemporâneos. Mas existe um chinês que há milhares de anos escreveu um poema, sobre um pastor de cabras que está longe, muito longe da mulher amada e mesmo assim pode escutar, no meio da noite, no meio da neve, o rumor do pente em seus cabelos; e lendo esse poema remoto, Juan comprova que sim, que eles sim: que esse poeta, esse pastor e essa mulher são seus contemporâneos."

Eduardo Galeano (2005). "A arte e o seu tempo" em O Livro dos Abraços, Porto Alegre: L&PM POCKET, p. 242 

Filosofia

"Como pode o amor ser contingente?"

23:42



Sartre e Beauvoir. A história de uma vida em comum, de Hazel Rowley, é um retrato cru da história do relacionamento de duas das figuras europeias mais controversas do século XX. O livro lê-se não como uma biografia, mas como um romance. Admiradora confessa de Beauvoir como activista feminista, devo dizer que há partes e detalhes no livro que me incomodam. Mas esse não é o ingrediente-chave para um grande livro? Os livros, os grandes livros, devem incomodar-nos. Sim. Mas esse incómodo torna-se bizarro quando a história contada é uma biografia de um homem ou de uma mulher que admiramos, quando o livro não é uma obra ficcional. Aceitamos o incómodo num grande livro de ficção, mas dificilmente na vida de uma figura que admiramos.
Há relatos da vida privada de Beauvoir e Sartre que deveriam ter permanecidos privados. Deveria dizer alguma coisa o facto de, em todo o livro, eu me ter fixado num excerto de um texto de Nelson Algren - precisamente Algren - e não num qualquer texto de um dos dois protagonistas. Quem me conhece sabe que não é a imoralidade que me incomoda ali. Não é sequer a amoralidade. É outra coisa. É aquela profunda convicção que determinados seres têm de vislumbrarem em si mesmos a genialidade, quais semi-deuses, obrigam-se a olhar os outros como seres inferiores, despojados de livre-arbítrio, "as pessoas a quem simplesmente tinha de se mentir" (2007:105). E eu, que tenho alergia tanto a 'ismos' como a séquitos, fiquei também tremendamente decepcionada com as noções de "lealdade à família", sartrianismo ou sartrianos que existia à volta de Sartre. Para amantes da liberdade, não é isto paradoxal? 
"Madame de Beauvoir, nada disposta a arriscar a sua própria liberdade, sentiu que podia contar com Jean-Paul Sartre para lhe ser infiel. Foi uma jogada astuta... «Sartre e eu fomos mais ambiciosos; o nosso desejo foi viver 'amores contingentes'.»... [...]
Qualquer pessoa que seja capaz de viver o amor de forma contingente passou-se da cabeça recentemente. Como pode o amor ser contingente? Contingente de quê? [...] 
A anterior determinação de Madame de Beauvoir em «escrever ensaios sacrificiais, nos quais o autor se despe completamente, sem desculpas», tem sido empregue desde então com tal fervor e perícia que praticamente toda a gente foi sacrificada, excepto ela própria..."
Nelson Algren, citado por Hazel Rowley (2007: 339)
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Hazel Rowley (2007). Sartre e Beauvoir. A história de uma vida em comum. Lisboa: Caderno. Trad.  Elsa T. S. Vieira.

Mensagens

Resoluções para 2013

18:31




Tenho visto algumas listas, sugestões, e resoluções de ano novo fantásticas por aí. Todos os anos eu escrevo listas e resoluções de ano novo, mas esta é a primeira vez que as torno públicas. Pode ser que esse simples facto me imponha mais alguma disciplina. Pois aí vão:
  1. Definir objectivos, desenvolver planos para os executar e executá-los. Manter o foco. Manter listas de projectos a longo e a curto prazo: anuais, mensais, semanais e diários. 
  2. Cuidar do bem mais raro e precioso que me é dado de graça: o tempo. Jamais voltar a perder tempo. 
  3. Disponibilizar mais desse tempo para o essencial: as pessoas (família, amigos, conhecidos, desconhecidos). Essencialmente, ajudar a Carol nos seus estudos e nas suas pequeninas realizações pessoais, tentar criar formas de reduzir a distância do Erivan e mimar os papás. 
  4. Aprender a distinguir trabalho voluntário de trabalho de graça. Jamais voltar a trabalhar de graça. 
  5. TV só para os fins-de-semana de chuva (e quando faltarem as galochas). Internet reduzida para meia hora por dia.
  6. Encontrar um trabalho ou uma ideia brilhante para investimento sustentável.
  7. Investir pelo menos 4 horas diárias no projecto de doutoramento. Escrever pelo menos 1 página por dia. Manter um registo actualizado dos livros lidos, a ler e a comprar/pesquisar. Fazer notas, resumos ou recensões para a bibliografia definida. 
  8. Decidir-me, finalmente, a tratar do processo de cidadania brasileira
  9. Retomar velhos projectos: o projecto de literatura e o de lexicografia. Publicar os trabalhos antigos que andam metidos na gaveta. 
  10. Não recomeçar novos projectos sem ter os correntes finalizados.
  11. Dar 100% em tudo e nunca aceitar menos que isso. Aceitar responsabilidade pelo fracasso e dar aos outros crédito pelas suas vitórias. 
  12. Não mais chegar tarde. Cumprir prazos. 
  13. Ler mais. 
  14. Escrever mais.
  15. Tocar mais violino.
  16. Reduzir, reutilizar e reciclar melhor. Andar mais a pé e de bicicleta. 
  17. Mais exercício.  
  18. Comer melhor. Cozinhar mais.
  19. Mais natureza, mais passeios de descobertas, a pé. Fotografar mais. Plantar/semear mais.
  20. Retomar a psicanálise. 
  21. Manter o optimismo. Sonhar mais. "Brincar como se isso fosse o mais importante" (Eduardo Sá)
  22. Ajudar mais. Cumprimentar mais. Partilhar mais. Perdoar mais. Agradecer mais.
  23. Mais uma resolução: permanecer mentalmente sã.

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