Blogosfera

A censura, descrita por qualquer outro nome, deixa de o ser?

09:44

Tomei ontem conhecimento da notícia que faz a capa da primeira edição (impressa) do jornal dos alunos de Ciência da Comunicação da Universidade do Minho, o ComUM: "Professor aconselhado a parar blogue humorístico".
Em causa está o conteúdo dos blogues pessoais (Dissidencias e Dissidenciastv) de Daniel Luís, professor da Universidade do Minho.
Segundo o jornal, o Conselho do Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional (DSEAE), do Instituto de Educação e Psicologia (IEP) decidiu em acta que "a participação do referido docente em iniciativas humorísticas desprestigiava «a imagem do seu instituto e da UM»" (p.1).
Numa entrevista de duas páginas (8 e 9) Daniel Luís explica porque suspendeu os seus blogues, como lhe foi comunicada a decisão do DSEAE nesse sentido e as consequências que ela teve para a sua vida pessoal e profissional.
O jornal traz ainda a versão de Carlos Estevão, director do DSEAE, que, segundo o ComUm, depois de interrogado sobre o caso, respondeu que Daniel Luís terá cancelado os seus blogues por iniciativa própria, depois de aconselhado a "rever alguns elementos que fossem considerados incorrectos para um educador ou pedagogo" (p. 9).

Fui pesquisar os referidos blogues e pelo menos o Dissidenciastv ainda se encontra suspenso. O Dissidencias apresenta uma nota informativa (de 28 de Fevereiro) redigida pelo próprio Daniel Luís em que o docente justifica, em versão low-profile, a suspensão do blogue. No final desta nota informativa encontra-se também o voto de Repúdio aprovado pelo Conselho do Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional, em 27 de Fevereiro de 2008, que o docente decidiu publicar e do qual retirámos as seguintes palavras:

" O docente Daniel Luís é o único responsável pelo encerramento dos seus blogues, a que procedeu de livre vontade na sequência de um apelo do seu Departamento, votado e lavrado em acta. Nada de mais público, de mais claro e frontal, com base em receios que lhe foram explicados e que em primeiro lugar o procuravam proteger na sua dignidade profissional e no conteúdo funcional da sua actividade como educador, área objecto, nos seus textos, de inúmeras referências atentatórias da dignidade de professores, alunos e responsáveis políticos, cuja acção o docente Daniel Luís é suposto estudar, investigar, ensinar e criticar em termos académicos, para o efeito beneficiando de condições institucionais e de toda a liberdade académica.
Em qualquer caso, o docente está no seu direito de se exprimir pelos meios e pelas formas que entender e, obviamente, é inteiramente livre de retomar, a qualquer momento, as formas de expressão que considerar oportunas a título individual. O Departamento não poderá, em tal caso, manter-se solidário com um dos seus membros, caso daí relevem consequências, ou efeitos não desejados, do ponto de vista do seu exercício profissional como professor e educador." (sublinhado meu)

Daniel Luís está livre para se expressar e para ... as consequências. Pergunto-me o que tem o DSEAE a ver com os hobbies dos seus docentes.

Política

"Nações sem território"?

05:58

Lista de alguns dos povos que lutam por um território independente reconhecido internacionalmente elaborada pelo sítio da Internet Parsifal.org a partir de um artigo do livro Questão Nacional e Marxismo organizado por Jaime Pinsky:


«Os curdos:

[...] Com cerca de 26 milhões de pessoas, habitam o que eles denominam de Curdistão, que fica entre o Norte do Iraque e o Oeste da Turquia.

Os católicos irlandeses:

O Eire, ou República da Irlanda, é independente e tem maioria católica. O restante, o Ulster, ou Irlanda do Norte, de maioria protestante, está sob domínio do Reino Unido.

Os católicos do Ulster querem a independência e patrocinaram por muito tempo a luta armada através do IRA.

Os bascos:

Com língua e cultura próprias, os bascos lutam para se separar da Espanha. Em 1959, durante a ditadura franquista, criaram a organização separatista ETA [...].

Os saarauís:

Habitam o Saara Ocidental, abandonado pela Espanha em 1975. [...] Marrocos o reivindicou para si. Desde 1991 a ONU tenta decidir a situação, mas até agora não há um acordo.

Os albaneses de Kosovo:

Os albaneses separatistas da província de Kosovo, na Sérvia [...].

Os turcos-cipriotas:

Em 1974, os turcos invadiram a ilha do Chipre, dividindo-a entre os turcos-cipriotas do Norte e os gregos-cipriotas do Sul, que já a habitavam. Surgiu a República Turca de Chipre do Norte que, no entanto, só é reconhecida pela Turquia.

Os abecazes e ossetianos:

Na Geórgia, dois povos brigam. A Abkházia quer independência desde 1992. Os ossetianos do Sul querem se integrar à Ossétia do Norte (divisão da Federação Russa) e declararam independência em 1990, que não foi reconhecida até hoje.

Os chechenos:

República de maioria muçulmana, a Chechênia é oficialmente parte da Rússia. Após o fim da União Soviética, os chechenos proclamaram independência, que não reconhecida, gera embates com os russos.

Os armênios:

Enclave armênio no Azerbaijão, o Nagorno-Karabakh é motivo de conflito. Em 1991, a região declarou-se independente e foi bombardeada pelo governo azeri. Os rebeldes continuam a luta pela independência, só reconhecida pela Armênia.

Os caxemires:

A Caxemira é dividida entre Índia e Paquistão. Muçulmanos da parte indiana querem a independência ou a anexação ao Paquistão. [...]

Os tâmeis:

De origem indiana e religião hindu, querem a independência do governo do Sri Lanka. Em 1983, teve início a luta armada contra os cingaleses [...].»


Um já está ... e agora?

_________

Referência bibliográfica: Jaime PINSKY (org.) (1980). Questão Nacional e Marxismo. São Paulo: Editora Brasiliense



Blogosfera

Para que serve um blog?

15:27

Há dias falava eu com o meu marido sobre o motivo de escrever um blogue (de ter um blogue). Para mim, não é só para organizar ideias e para ter feedback, também é, concordo, mas é também uma forma de estar ligado ao mundo. É parecido com a necessidade de ler notícias, de estar informado, de ler o que quer que seja, de fazer voluntariado, de contribuir para uma Organização de Solidariedade Social. De certa forma dá-nos a sensação de que, de algum modo, estamos a participar no mundo.
Querer saber, importar-se, é, eu creio, uma forma de acção, de participação. Não existe essa coisa do "não me importo com o que se passa lá fora... no mundo". No fundo, no fundo, todos nos importamos. E uma vez sabendo, tendo tido conhecimento do que de pior (e de melhor, também) existe, se faz, lá fora (mesmo perto), uma vez tendo olhado de perto, experienciado, ouvido, visto, não há como voltar atrás. Nada mais é igual. Não somos nós os mesmos. Nada mais é tranquilo, não há como não querer saber, não há como ficar alheado, não há tempo para ficarmos despreocupados, desencantados, não há tempo. Tudo importa, tudo é importante.



Europa

"Transdniestria também quer ser independente"

10:12

José Milhazes, no seu blog darussia.blogspot.com, chama a atenção para a pretensão do território da Transdniestria de ver reconhecida internacionalmente a sua auto-proclamada independência, como consequência do reconhecimento, por parte da comunidade internacional, da independência do Kosovo. Podemos ler aí:

«O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Transdniestria, região separatista da Moldávia, exige que a comunidade internacional reconheça a sua independência.

“A proclamação da independência e o posterior reconhecimento do Kosovo têm importância de princípio, porque criam um novo modelo de regularização de conflitos, baseado na prioridade do direito do povo à autodeterminação” – lê-se num comunicado publicado pela diplomacia dessa república não reconhecida.
Os dirigentes da Transdniestria estão convencidos de que esse modelo deve ser empregue em relação a todos os conflitos com bases políticas, jurídicas e económicas semelhantes.
[...]

O conflito entre a Moldávia e a Transdniestria começou há mais quinze anos, durante o processo de desintegração da União Soviética. A Transdniestria proclamou unilateralmente a sua independência em relação à Moldávia no início dos anos 90 no território de várias regiões moldavas da margem esquerda do rio Dniestre. Os separatistas justificaram a sua iniciativa com o facto de a Moldávia se pretender juntar à Roménia e de violar os direitos da população não moldava [...]

José Milhazes (19/02/2008)

Fonte: http://darussia.blogspot.com

Para notícias sobre o território de Transdniestria ver http://www.transdniestria.com/.

Cultura

"Pertença", Anthero Monteiro (II)

15:03





Recebi há dias a confirmação, pelo próprio Antero, de que o poema "Pertença" já está editado. Apesar de estar esgotado, deixo aqui a referência bibliográfica, à espera de reedição:

Anthero MONTEIRO (2004). Canto de Encantos e Desencantos. s. l.: Corpos Editora.

Obrigada Antero!

Europa

Para que serve a ONU?

11:23

É inevitável não olhar para o Kosovo e concluir que ali o poder militar se sobrepôs às questões culturais, históricas, políticas e diplomáticas, como têm argumentado os comentadores políticos de várias nacionalidades. Pergunto-me se não haveria mesmo mais nada a fazer pelas divergências entre albaneses e sérvios no Kosovo? Não terá sido o apoio da comunidade internacional (incluindo UE) à auto-proclamação da independência a solução mais fácil?
No meio disto eu ainda continuo a perguntar - ainda resisto a perguntar - onde está a ONU e quais as suas incumbências?

Língua

"Duas línguas maternas para cada europeu"

12:36

«Imagine uma Europa onde cada cidadão teria uma segunda língua materna, diferente das línguas estrangeiras habitualmente utilizadas.
A ideia, algo utópica, surgiu de um grupo de intelectuais, criado por Bruxelas, e tem o apoio do comissário para o multilinguismo, o romeno Leonard Orban: "Gostaríamos de ver o multilinguismo como uma política ao serviço da união das pessoas e das comunidades, e não como um criador de divisões na sociedade europeia."
Esta língua materna de adopção deveria ser aprendida intensamente ao longo de todo o percurso académico.
O grupo de peritos é liderado pelo escritor franco-libanês Amin Maalouf, que esta sexta-feira vai apresentar o projecto aos ministros da Educação dos Vinte e Sete. Para Maalouf, esta é uma forma de preservar todas as línguas, incluindo as minoritárias: "Para ter um verdadeiro sentimento de forte pertença ao conjunto europeu, precisamos de saber que a nossa própria cultura e a nossa própria língua são promovidas nesse conjunto europeu - e não marginalizadas."
O grupo de peritos aconselha também a que as relações bilaterais entre os Estados membros se façam nas línguas dos países envolvidos - e não em inglês. Uma prática difícil de destronar, sobretudo quando, nas próprias instituições europeias, a língua de Shakespeare é cada vez mais utilizada.» (14/02/2008)

Fonte: http://www.euronews.net/

Cultura

"utilidade do humor ", Clã

11:40

"[...]
Não fosse um sentido de humor apurado
Que me faz viver um sonho acordado
Não via tão claro o sentido da vida
E tudo seria bem mais complicado
[...]"

Carlos Tê/Hélder Gonçalves


CD: Clã(2007), "Utilidade do Humor", Cintura. EMI Portugal, Lda.

Direitos

Lançamento de Cd de artistas portugueses por Darfur

10:48

"A Campanha porDARFUR lança a colectânea «FRÁGIL - Artistas Portugueses porDarfur»,
um disco duplo cujas receitas se destinam à ajuda de emergência ao Darfur.
«FRÁGIL» é o nome de um dos temas que integram a colectânea, uma revisitação do tema com a mesma letra de Sting cantada por dezenas de artistas portugueses"

Fonte: Amnistia Internacional - Secção Portuguesa


Há assuntos que nunca deveriam deixar de ser notícia.

Direitos

Porquê Linux?

15:00

O sítio da Internet http://www.obtengalinux.org/ dá-nos algumas informações simples e práticas acerca do Linux: o que é, as principais vantagens e desvantagens em relação ao Windows e sugestões e hiperligações para começar a usá-lo. Bom para leigos, como eu.
Uma das 4 razões que o sítio dá para começar a usá-lo:

«4. La importancia de una sociedad libre

No puede existir una sociedad libre si no hay software libre: Los computadores se usan para compartir ideas, cultura y demás información. Si no hay libertad en el software, nos arriesgamos a perder el control de lo que compartimos.
Esto ya está sucediendo; desde tecnologías evidentemente fastidiosas como la Gestión de Derechos Digitales (DRM) hasta las completamente espantosas como la Computación de Confianza (TC). El derecho que tiene cualquiera de participar en la
cultura se está viendo amenazado.
Si tiene que renunciar a su libertad para usar un software, quizá entonces no esté contento con él.»

América latina

"guerra fria da cultura": CIA e o Brasil de Fernando Henrique Cardoso

11:21

Quem pagou a conta: a CIA na guerra fria da cultura, o livro escrito por Frances Stonor Saunders, foi ontem objecto do comentário de Sebastião Nery no sítio da Internet do jornal Tribuna da imprensa.

Eis alguns dos excertos que o comentador retira do livro de Saunders:

«1 - "A Fundação Farfield era uma fundação da CIA... As fundações autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível de disfarce para os financiamentos... permitiu que a CIA financiasse um leque aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras instituições privadas" (pág. 153). 
2 - "O uso de fundações filantrópicas era a maneira mais conveniente de transferir grandes somas para projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de 50, a intromissão no campo das fundações foi maciça..." (pág. 152). "A CIA e a Fundação Ford, entre outras agências, haviam montado e financiado um aparelho de intelectuais escolhidos por sua postura correta na guerra fria" (pág. 443).
3 - "A liberdade cultural não foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares... Ela funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos... com a organização sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos" (pág. 147).»

Livros

Da consciência

09:09


"[...] um governo no qual prevalece o mando da maioria em todas as questões não pode ser baseado na justiça, mesmo nos limites da avaliação dos homens. Não será possível um governo em que a maioria não decida virtualmente o que é certo ou errado? [...] Deve o cidadão desistir da sua consciência, mesmo por um único instante ou em última instância e se dobrar ao legislador? Por que estará então cada homem dotado de consciência? Na minha opinião devemos ser em primeiro lugar homens, e só então súditos. Não é desejável cultivar o respeito às leis no mesmo nível do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo."

Henry THOREAU (1986). Desobedecendo: a desobediência civil e outros ensaios. São Paulo: Círculo do Livro. P. 37

Filosofia

Da filosofia

14:53

"julgamos, por vezes, servir a filosofia proibindo-a de se interessar pelos problemas do seu tempo; daí que recentemente se tenha elogiado Descartes por não ter tomado partido entre Galileu e o Santo Ofício. O filósofo não deve ter preferência por qualquer dos dogmatismos rivais, dizia-se. Ocupa-se com o ser absoluto, para além do objecto do físico e da imaginação do teólogo. Dizer isto é esquecer que, recusando-se a falar, Descartes se recusa também a dar valor e existência a esta ordem filosófica em que o situam. Calando-se, não transcende os erros gémeos, deixa-os em luta, encoraja-os, especialmente o vencedor momentâneo. Não é a mesma coisa ficar calado e dizer por que não se quer escolher. Se o tivesse feito, Descartes não poderia ter deixado de afirmar o direito relativo de Galileu contra o Santo Ofício, mesmo que, em última instância, subordinasse a física à ontologia. [...] Para que um dia tivesse existido um estado do mundo em que fosse possível um pensamento liberto, quer do cientismo, quer da imaginação, não bastou ultrapassá-los em silêncio, foi preciso falar contra [...]. O absoluto filosófico não se situa em parte alguma, nunca está algures, tem que ser defendido em cada acontecimento. Alain costumava dizer aos seus alunos: «Para nós, homens, que temos um horizonte limitado, a verdade é momentânea. É de uma situação, de um instante; é preciso vê-la, dizê-la, fazê-la nesse preciso momento, nem antes nem depois, em máximas ridículas; não várias vezes, pois nada é várias vezes». " (sublinhado meu)

Maurice MERLEAU-PONTY (1998). Elogio da Filosofia. Lisboa: Guimarães Editores. Pp.78-80

Direitos

Relatório 2008 da Human Rights Watch

10:13

A Human Rights Watch tornou público, a 31 de Janeiro de 2008, o seu relatório anual, que pode ser consultado no endereço http://hrw.org/wr2k8/. O relatório está dividido por áreas do globo, em seis secções: África, Américas, Ásia, Europa e Ásia Central, Médio Oriente e Norte de África e Estados Unidos. Cada uma destas secções está ainda subdividida por países e, no caso da secção dedicada aos Estados Unidos, há uma subdivisão feita por direitos violados ou a ter em conta. Para além do relatório por país, é fornecido uma secção com as imagens dos acontecimentos considerados mais marcantes em 2007.
No capítulo introdutório do relatório, Kenneth Roth, o director executivo da H. R. W., acusa a comunidade internacional de legitimar os governos de países com casos reportados de violações de direitos humanos que se hasteiam da capa da democracia para legitimarem a sua autoridade. Como refere Roth, são inúmeros os ditadores que sustêm a capa de democratas, apoiados em “jogos de retórica”, no discurso das aparências:

"Rarely has democracy been so acclaimed yet so breached, so promoted yet so disrespected, so important yet so disappointing. Today, democracy has become the sine qua non of legitimacy. Few governments want to be seen as undemocratic. Yet the credentials of the claimants have not kept pace with democracy’s growing popularity. These days, even overt dictators aspire to the status conferred by the democracy label. Determined not to let mere facts stand in the way, these rulers have mastered the art of democratic rhetoric that bears little relationship to their practice of governing." (Introduction: “Despots Masquerading as Democrats)

Por baixo desta capa democrática, Kenneth Roth denuncia a existência de abusos graves, de entre os quais merecem atenção a fraude eleitoral, o controle da máquina eleitoral, o bloqueio de candidatos da oposição, a violência política, o silenciamento dos media e a morte de civis.
Como refere Roth na conclusão do capítulo introdutório,

“It is time to stop selling democracy on the cheap and to start substituting a broader and more meaningful vision of the concept that incorporates all human rights.”

Linguística

Dos discursos

16:50

"A partir da comparação entre modalização e dictização, Herman Parret (1) chega a uma definição, metodologicamente importante, entre enunciado transparente e enunciado opaco.Considera ele que, no eixo da modalização, o grau máximo de transparência [...] corresponde ao grau zero de modalização operada sobre o enunciado em questão. [...]
Se nos situarmos [...] no eixo da dictização, o grau máximo de transparência, ou o grau mínimo de opacidade, corresponde [...] à presença máxima do sujeito da enunciação ou das suas marcas. À medida que o sujeito se retira, que desinveste, diminui a transparência do enunciado. E aumenta a sua opacidade. [...]No limite máximo da ausência do sujeito ou das suas marcas [...] encontramos o discurso científico. Um discurso nominalizado, objectivado, autonomizado ao extremo. Um discurso no qual a ausência do sujeito é compensada pela estruturação do objecto. Um objecto cada vez mais estruturado, decerto. Mas também, cada vez menos pessoalizado, menos temporalizado, menos espacializado.Nas antípodas do discurso científico encontramos o discurso ideológico marcado pela forte presença do sujeito e, consequentemente, menos nominalizado, menos objectivado, menos autonomizado. Discurso da desestruturação do objecto que emerge, todavia, mais pessoalizado, mais espacializado. [...]O discurso ideológico e o discurso científico são exemplos de dois casos extremos quanto ao maior ou menor investimento do sujeito e quanto à maior ou menor estruturação do objecto. [...]Relembre-se que, no caso do discurso ideológico, se assiste, em geral, a um forte investimento do sujeito que, ocupa plenamente o lugar da enunciação e a uma fraca estruturação do objecto. Mas nem sempre assim sucede. Casos há em que o discurso ideológico, produzido por um dado enunciador, se caracteriza, sobretudo, pelo apagamento deste e pela prioridade concedida ao objecto. Neste segundo caso, o discurso ideológico como que se confunde com o discurso científico." (sublinhado meu)


José REBELO (2000). O discurso do jornal. Lisboa: Editorial Notícias. Pp. 75-77
_________
(1) Parret, Herman, "L'énounciation en tant que déictisation et modalisation", Langages, Nº 70, Larousse, 1983 (nota do autor)

Literatura

Da procura

15:52

"Nunca encontrar Deus, nunca saber, sequer, se Deus existe! Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que acarinha, sempre no erro que afaga.
A verdade nunca, a paragem nunca! A união com Deus nunca! Nunca inteiramente em paz, mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela!" (sublinhado meu)

Bernardo SOARES (1998). Livro do Desassossego. Lisboa: Assírio & Alvim. P. 190

Literatura

Da individualidade

12:50

"Se queres continuar a amar os outros, afasta-te, torna-te solitário. Ou deixas de ser sincero e passas a morar com a mentira. A peleja começou: é preciso arredar, vencer - e cada um nessa idade [30 anos] é o que é. Já não se amolda: é um ferro desembainhado, saído da forja; tem já os seus hábitos, vaidades, mentiras. Tudo o que estava apenas esboçado endureceu; é de pedra.
De forma que se quiseres viver com os outros tens de representar.
Os que têm uma forte individualidade arredam-se, porque nunca podem agradar. O triunfo pertence não aos mais fortes, nem aos mais inteligentes, mas aos que, sem pessoalidade, podem ser todo o mundo...
Ser parecido lisonjeia: daí, tens de afivelar uma máscara igual à do homem que precisas conquistar. [...]"

Raul BRANDÃO (1984). "XII - Filosofia do Gabiru", Os pobres. Lisboa: Editorial Comunicação. Pp. 132

Literatura

Da liberdade

03:00

Palavras de Morin, respondendo a Hippolyte sobre a aplicação prática dos epítomes da Revolução Francesa, no sonho deste ao ano 220 da federação dos povos no livro Sur la Pierre Blanche, de Anatole France:

“Nous ne concevons pas facilement aujourd'hui que les anciens amis du peuple aient pu prendre pour devise : _Liberté, Égalité, Fraternité_. La liberté ne peut pas être dans la société, puisqu'elle n'est pas dans la nature. Il n'y a pas d'animal libre. On disait autrefois d'un homme qu'il était libre quand il n'obéissait qu'aux lois. C'était puéril. On a fait d'ailleurs un si étrange usage du mot de liberté dans les derniers temps de l'anarchie capitaliste, que ce mot a fini par exprimer uniquement la revendication des privilèges».
Anatole France, Sur la Pierre Blanche, em http://www.gutenberg.org/dirs/etext04/srlpr10.txt online a 09/09/2005

Literatura

Da moral

02:43

“«Caminhante sem rumo, era fatal que o homem empregasse o melhor da sua razão para construir o palácio de misérias em que vive emparedado. Não satisfeito em criar um outro mundo para lá do mundo sensível e inçá-lo de seres, diante de cuja omnipotência feroz passou séculos de cócoras, a bater os dentes de medo e a praticar toda a casta de atrocidades e loucuras, foi-se à mecânica singela da vida e considerou: o acto de geração podia ser apenas isto, tão simples e ao mesmo tempo tão ambicionável, e comum a todos os animais? Não, o constituir objecto de prazer era suspeito; mercê de suas derivações acidentais, reclamava censura; o ser uma faculdade de todos os viventes, ofensivo da sua dignidade antropocêntrica de homem. E a centelha que descobriu um Deus e a sua corte, o Diabo e a sua choldra nas trevas impenetráveis, ditou pela mente dos velhos doutores, desprovidos de orgasmo, e sacerdotes recheados de metafísica, todos eles mais estéreis que a figueira da Escritura, um código moral. Esse código governou o mundo e aí está ainda toda a noite de Valpurgis de aleijados físicos e morais, todos os farrapos da humanidade, atestar a sabedoria de seus princípios e o acerto dos seus mandamentos.
Pois quê, não foi a castidade erigida na primeira das virtudes, e a continência perpétua no ideal do estado de perfeição? Com tal doutrina, eu, criatura à imagem e semelhança de Deus, ultrajava a santa mulher que me trouxe nove meses no seio, chorou e riu sobre mim, e primeiro que a luz do céu me deu a luz dos seus olhos. Ultrajava o homem que fora, talvez, a alma gémea da minha mãe e seu braço tutelar. […]
É axiomático andar o problema dos sexos indissolùvelmente ligado à sorte das religiões. Que estejam no crepúsculo, os deuses vivem por milénios e levam centenares de anos na agonia. Homem, se queres amar livremente, derruba depressa os altares!»”


Aquilino RIBEIRO (1979). Andam faunos Pelos Bosques. Amadora: Bertrand Editora. P.p. 283-284.

Literatura

Da anarquia

02:21


"Entendo que no mundo há uma possibilidade de todos os homens viverem à farta sem que se torne condição inevitável o açambarcamento de bens por uns e a condenação à penúria doutros. É também para mim uma norma que ninguém deve responder pelo que tem na consciência e que a opinião de cada um é sagrada. Este princípio leva-me à tolerância, como o outro, a uma teoria de igualização social. Se isto é anarquia, ponha lá V. Ex.ª que sou o primeiro anarquista do mundo, em abstracto, não mais, porque, infelizmente, careço dos mais rudimentares meios de acção."

Aquilino RIBEIRO (1985). "Domingo de Lázaro", Estrada de Santiago. Lisboa: Bertrand. Pp. 59-60

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