Colonização, colonialismo, imperialismo e neocolonialismo

17:31

Um dos comentários que recebi a um post do meu blogue ("África") fez-me lembrar do diálogo de Humpty Dumpty com Alice em Alice do outro lado do espelho:
“- Aí está a tua glória!  
- Não sei o que queres dizer com ‘glória’ – disse Alice.Humpty Dumpty sorriu com ar de desprezo. 
- Claro que não sabes, até eu te explicar. Eu queria dizer: aí está um belo argumento que põe uma pessoa de rastos.- Mas a glória não significa ‘um argumento que põe a pessoa de rastos’ – objectou Alice. 
- Quando utilizo uma palavra – disse Humpty Dumpty, num tom desdenhoso – , ela significa exactamente o que eu quero que ela signifique, nem mais, nem menos. 
- A questão está em saber – disse Alice – se tu podes fazer que as palavras tenham significados diferentes. 
- A questão está em saber – disse Humpty Dumpty – quem deverá ser o mestre, é só isso." 
Lewis CARROL (1996: 85)
E talvez Humpty Dumpty tenha encontrado o cerne do problema: quem deverá ser o mestre na atribuição dos significados às palavras? O semanticista, o lexicógrafo, os escritores, poetas, os falantes, os legisladores, os historiadores,... e as possibilidades continuam.
Dizia, então, Afonso Vaz Pinto no seu comentário:
" [...] Se o colonialismo causou assim tanta desgraça... desde que realmente começou entre 1910-20 (até lá havia colonialismo apenas em portos e entrepostos comerciais) e tendo durado apenas 50/60 ou 70 anos... por que é África não recuperou? São 30 anos, até mais, de independências e ainda não se recuperaram????? [...]".
Que é que se pode responder a isto? O colonialismo começou em 1910-20? E durou 50/60 ou 70 anos? De que colonialismo estará Afonso Vaz Pinto a falar? Como se define o colonialismo e a colonização? Podemos falar de colonialismo lato senso e strictu senso? E como distinguimos colonialismo, imperialismo e neocolonialismo?
O Dicionário da Academia de Ciências, por exemplo, atribui três sentidos para a entrada "colonização":
"1. Acção de povoar com colonos um território administrado e dominado por uma nação, fora das suas fronteiras; acto ou efeito de colonizar. ≠ DESCOLONIZAÇÃO. 2. Exploração de territórios transformados em colónias de uma nação, com finalidades económicas, religiosas, políticas... A colonização de África pelos europeus. 3. Processo pelo qual um povo promove ou impõe, junto do outro a sua cultura, os seus valores... A colonização dos índios do Brasil destruiu muitos dos hábitos daqueles." CASTELEIRO (2001)
E define da seguinte forma "colonialismo":
"[...] Doutrina que preconiza o domínio económico e político de uma metrópole sobre territórios que mantém, na sua dependência, como fontes de riqueza. O colonialismo tem em conta sobretudo os interesses dos colonizadores." CASTELEIRO (2001)
A Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura define "colonização" da seguinte forma:
"Fenómeno sociopolítico baseado na dependência de um grupo humano ou de um território a respeito de outro que nele exerce influência demográfica, económica, cultural, social ou política. [...]. podemos descrever a situação característica dos sécs. XIX e XX [...] como um desnível em vários sectores entre sociedades ou grupos, ou pops. [...]Se pretender criar ou perpetuar esse desnível é colonialismo, se o pretende desfrutar imperialismo. Se permanece sob a aparência de igualdade e independência política é neocolonialismo, coincidente com colonialismo económico, cultural ou outro." (1980: 996)Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura.
Distingue ainda colonização antiga, medieval e moderna. A colonização moderna é definida nos seguintes termos:
"O seu início deve-se aos descobrimentos port. organizados pelo infante D. Henrique. [...] Costumam apontar-se cinco períodos da chamada época colonial moderna [...]. O 1.º período, de 1492 a 1598, é o da hegemonia port. e esp.. O 2.º período, de 1598 a 1688, é o da hegemonia holandesa, o 3.º, de 1688 a 1783, o da hegemonia fr e ing.. O 4.º período, de 1783 a 1870, o do predomínio da Inglaterra, o 5.º, de 1870 a 1940, é o do imperialismo colonial à escala do mundo propriamente dito." (1980: 1004)Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura.
Se é verdade que é possível moldar os vários sentidos de uma palavra para favorecer um qualquer ponto de vista ideológico, pergunto-me se poderemos, realmente, desconstruir esses vários sentidos - estreitá-los ou alargá-los - para obrigar uma palavra a significar o que ela nunca significou. E se podemos fazê-lo, à custa de quê, e qual o critério?
Ainda em relação ao termo "colonização", a Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura acrescenta:
"as formas de dependência de um grupo ou sociedade em relação a outro grupo ou sociedade tornaram-se tão complexas e subtis que permitem a maior gradação de formas que poderíamos continuar a chamar coloniais. No entanto, as bases fundamentais de distinção tendem a simplificar-se segundo as duas acepções filológicas do colere latino: cultivar a terra e cultivar o espírito. Continuaremos assim a ter a C. económica e a C. ideológica, mesmo na época da descolonização e depois dela." (1980: 1006) Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura. (sublinhado meu)


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Referências bibliográficas:

Lewis CARROL (1996). Alice do outro lado do espelho. Mem-Martins: Europa-América.
Malaca CASTELEIRO (2001). Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa: Verbo.
(1980). Verbo enciclopédia luso-brasileira de cultura. Lisboa: Verbo.

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1 comentários

  1. Bravo. Só vi o post muito tempo depois de ser escrito. Vejo então onde o Humpty Dumpty foi buscar as suas fontes... ao dicionário. Elementar, claro. Bravo!
    Afonso Vaz Pinto

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