Cultura

"...tudo quero subverter..."

15:40


ODE À IMPRESCINDÍVEL BELEZA

aí vem mais um dia para o rol dos perdidos e não achados
bem se esmerou ontem o meteorologista
bem se esmerou o sol para não o defraudar
bem se esmeraram as aves pintando mais azul
bem se apura o silêncio pé ante pé nos ramos
e me insinuo na amplidão vestido de aromas

mas como alçar-me para além de mim
se não posso abstrair-me do chão
desta vala comum onde se debruçam os continentes
onde nos vamos atolando através dos séculos
estrato após estrato

e entristeço como uma raiz doente
volto a olhar a mentira das árvores magníficas
alimentadas desta podridão
sei que desafiam a eternidade
desenhando no ventre impassíveis círculos concêntricos
tudo se prepara para nada modificar
tudo admite como certo o hoje igual ao ontem e ao amanhã

entristeço ainda mais
tudo quero subverter
sobretudo a lógica das raízes
a lógica dos desenhos pueris
com um sol presidindo à natureza

só assim vale a pena existir
ou estarão à espera que eu me fique sentado
apenas a entristecer apenas a desistir
quererão acaso que prescinda de uma outra humanidade
que me resigne a semear no mesmo chão as mesmas [sementes
em vez de pôr raízes nas estrelas

convoco este silêncio este sol estas aves estas árvores
esta fragrância para minhas testemunhas
todos viram e sabem que atirei para fora do sofá das nuvens
o indolente criador adormecido logo ao sétimo dia
que rasguei os calendários que perpetuam a fealdade
que bati o pé ao sopé das montanhas que desistiram do voo

deixem-me ao menos pensar
que é possível um mundo mais belo
e que existo apenas por razões estéticas
que é ainda possível fazer dos dias rosas memoráveis
dos segundos compassos de uma criação
do sol um sorriso mais cálido e palpável
da água um olhar mais penetrante
da arte um esperanto de esperança
da ingenuidade a arma que desarma o próprio portador
da beleza a clorofila essencial

tirem-me do olhar os paquidermes de combate
de trombas mortíferas e manhas de lagarta
que nada têm de belo
tirem-me daqui os corpos devorados pelos semelhantes
e os troféus de sangue vivo arrastados pelas ruas
que só conseguem fazer brotar cardos de repugnância
poupem-me ao engano das romãs do ódio
porque eu sei que há romãs verdadeiras com sabor a romãs
verdadeiras coerentes inimitáveis
poupem-me aos roncos de estranhas aves
que as verdadeiras sabem entregar-se aos dedos do vento
sem outro fito que não seja recriar a beleza

deixem-me ao menos enquanto exista
que insista em buscar lirismo para os meus versos
para os meus universos

Anthero MONTEIRO (2003). Desesperância. s. l.: Corpos Editora. pp. 37-39

Blogosfera

A poesia tem uma nova morada

14:28


O blog A Praça da Poesia, criado por Anthero Monteiro, aparece como um espaço dedicado exclusivamente à poesia. Um lugar para buscar inspiração, refúgio, conforto, conhecimento, luz...
Bem-vindo à blogosfera, Anthero! Ter-me-ás como leitora assídua.
Muito sucesso!
Desafio-te a construires podcasts. Melhor do que ler poesia é ouvi-la declamada por um poeta.

Cultura

Quem representa a música portuguesa contemporânea?

13:06











Num dos posts do blog Babel 2.0 lia "La música portuguesa contemporánea no es, en general, muy famosa ni siquiera al otro lado de la frontera, y sin embargo, mucho antes de que Quim Barreiros triunfara fuera de Portugal con su cabritinha, esta canción portuguesa se hizo muy conocida en Galicia ..."

A quem ainda acha que música portuguesa contemporânea é Quim Barreiros ou Just girls, peço o favor de se informar sobre o que se anda a fazer em terras lusas (nem sempre em língua portuguesa, é verdade, mas mesmo assim, com o carimbo português).

Aqui vão algumas sugestões, para todos os gostos:

Blind Zero, Ala dos Namorados, Jorge Palma, Clã, David Fonseca, Rita Redshoes, Madredeus, Moonspell, Deolinda, The Legendary Tigerman, Tiago Bettencourt, Terrakota, The Gift, Fingertips, Corvos, Soulbizness, Da Weasel , Osso exótico/David Maranha, Mazgani, SEAN RILEY & THE SLOWRIDERS, Mind Da Gap, Gomo, Nightfalls, Camané, Toranja, A Naifa, Sétima Legião, Coldfinger , Rádio Macau, Primitive Reason, Cool Hipnoise, Madame Godard, Urban Tales, Ornatos Violeta.


Actualização: Para fazer justiça ao post do blog Babel 2.0 a que me referi acima, devo dizer que a base do argumento do autor era simplesmente acentuar a semelhança entre a língua galega e a língua portuguesa. De qualquer forma, esta semelhança parece não ser o suficiente para facilitar o intercâmbio cultural entre os dois lados. Sem sentido...
De resto, recomendo o blog vivamente.

Direitos

A desigualdade económica na sociedade portuguesa em números

15:09

"[...] Portugal é o segundo país com maior nível de desigualdade na União Europeia, apenas suplantado pela Letónia. [...] Qualquer que seja o indicador de desigualdade dos rendimentos monetários seleccionados, é inequívoco que Portugal surge como um dos países mais desiguais da União Europeia. Esta realidade, que se tem mantido ao longo dos últimos anos, não pode deixar de preocupar seriamente todos aqueles que defendem para Portugal uma sociedade mais inclusa e menos desigual.
[...] os salários e ordenados são a componente de rendimento que mais contribui para a desigualdade total. "


Carlos Farinha RODRIGUES, "Desigualdade económica em Portugal" in Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, Nº 23, II série, Setembro 2008, pp. 2-3 (sublinhado meu)

Direitos

Towards translation societies?

18:33

"Translation introduces understanding where only tumult and confusion reigned. However, translation does not spell the end of diversity, since it does not mean sameness but merely equivalence. Translation is pre-eminently the means of mediation between cultural diversity and the universality of knowledge. In this sense, the bottom line is that there is no universal language but only exchanges between cultural and spiritual heritages in quest of a common language. It follows that the knowledge societies will have to be translation societies, if we are to avoid the snares of fake universalism and relativism, both of which are sources of misunderstanding and conflict. The spreading of the new technologies in emerging knowledge societies offers promising prospects. Still deficient today, machine translation systems, which have nevertheless made considerable progress, represent a real opportunity for the preservation of linguistic diversity. Research in this field, after being rather slow for want of funding, has in the past few years been given a new lease of life through the globalization of the internet market. Some products are now capable of translating internet pages almost simultaneously into the languages most commonly used on the web. Eventually machine translation systems might be made available to the public at large, or through their direct incorporation into hardware for professionals. This should contribute to greater linguistic transparency on the Web."

Fonte:UNESCO World Report on knowledge societies - Press Kit Bindé, J. (dir.) (2005). Towards Knowledge Societies. Paris: UNESCO Publishing, p. 157.

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