Movimentos Sociais

Do egoísmo e outras crendices

20:53

"Supunhamos que uma pessoa com fome passeia numa rua sem polícias e se cruza com uma criança esfomeada que segura um pedaço de pão. Seria o seu instinto natural roubar o pão à criança? Se assim fosse, consideraríamos a sua acção patológica. Quando os golfinhos dão à costa numa praia, à noite, depois de uma maré baixa, centenas de pessoas correm em seu socorro e trabalham em condições difíceis paratentar salvá-los.
Será possível explicar isto pelo egoísmo, ou até por teorias mais sofisticadas segundo as quais a selecção natural favorece a ajuda às pessoas da própria família e o altruísmo recíproco? Creio que nem a história nem a experiência desmentem a suposição de Adam Smith e de David Hume - que figuram entre os heróis do coro contemporâneo que tece louvores ao egoísmo - segundo a qual a simpatia e a preocupação com o bem-estar dos outros são características fundamentais da natureza humana.
Acreditar que o egoísmo é um instinto humano predominante é muito cómodo para os ricos e poderosos que esperam desmantelar as instituições sociais desenvolvidas com base na simpatia, na solidariedade e na ajuda mútua. Os elementos mais bárbaros dos sectores ricos e poderosos (...) estão determinados a demolir a segurança social, os programas de saúde, as escolas e, de facto, todas as conquistas das lutas populares que servem as necessidades do público e só diminuem muito ligeiramente as suas próprias riquezas e poderes. Para estas pessoas, é muito cómodo inventar teorias fantasistas segundo as quais o egoísmo está no centro da natureza humana, para mostrar que é errado (ou «mal», para usar a terminologia em voga) preocuparmo-nos em saber se a viúva doente da outra ponta da cidade está a ser alimentada e a receber cuidados de saúde, ou se a criança da frente tem acesso a uma educação adequada. Temos argumentos sólidos que justifiquem estas doutrinas cómodas para os que as propõem? Que eu saiba, não."

Excerto de Chomsky, citado por Jean Bricmont e Julie Franck (dir.) "Chomsky", Cahiers de l'Herne, nº 88, Paris apud Le monde Diplomatique - Edição portuguesa, Maio de 2010, p. 12.

Comunicação Social

"Divertimento e desinformação"

20:22


"Leio atentamente o The New York Times e outros jornais de elite por várias razões. Em primeiro lugar, porque são eles que determinam a agenda, limitando-se os outros a segui-los. Depois, porque pertencem à cultura intelectual dominante, o que me interessa particularmente. Não há qualquer dúvida de que a indústria do infotainment [info-entretenimento] é enorme. Tal como os seus dirigentes têm a gentileza de nos explicar, eles estão vocacionados, por um lado, para estabelecer o controlo «off-job» (fora do trabalho) como contrapartida do controlo «on-job» (no trabalho) dos sistemas tayloristas concebidos para transformar os trabalhadores em robôs inconscientes e obedientes; e, por outro lado, para desviar a atenção do povo para «as coisas superficiais da vida, como o consumo e a moda», e para inculcar na população uma «filosofia da futilidade».
É sem dúvida importante sublinhar tudo isto, e existem bons estudos sobre este tema, que tenho citado muitas vezes. Fico contente por deixar este trabalho a outros, que creio, o fazem muito bem. Porque eu não conheço o tema muito bem e não tenho o interesse nem os recursos necessários para aprender mais, por exemplo sobre a televisão. Em contrapartida, a análise crítica da cultura intelectual e dos meios de comunicação social de elite que determinam a agenda é, e isso não é surpreendente, um trabalho pouco apreciado pelas elites intelectuais e, em consequência, é muito poucas vezes feito de forma séria. (...) Penso que as questões relativas à maioria da população são colocadas de forma injusta. Não conheço nenhum elemento que possa indicar que ela está mais sujeita aos assaltos da propaganda do que a elite intelectual, e tenho boas razões para suspeitar que o contrário possa bem ser verdadeiro."

Excerto de Chomsky, citado por Jean Bricmont e Julie Franck (dir.) "Chomsky", Cahiers de l'Herne, nº 88, Paris apud Le monde Diplomatique - edição portuguesa, maio 2010, p. 13

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