Dos discursos
16:50"A partir da comparação entre modalização e dictização, Herman Parret (1) chega a uma definição, metodologicamente importante, entre enunciado transparente e enunciado opaco.Considera ele que, no eixo da modalização, o grau máximo de transparência [...] corresponde ao grau zero de modalização operada sobre o enunciado em questão. [...]
Se nos situarmos [...] no eixo da dictização, o grau máximo de transparência, ou o grau mínimo de opacidade, corresponde [...] à presença máxima do sujeito da enunciação ou das suas marcas. À medida que o sujeito se retira, que desinveste, diminui a transparência do enunciado. E aumenta a sua opacidade. [...]No limite máximo da ausência do sujeito ou das suas marcas [...] encontramos o discurso científico. Um discurso nominalizado, objectivado, autonomizado ao extremo. Um discurso no qual a ausência do sujeito é compensada pela estruturação do objecto. Um objecto cada vez mais estruturado, decerto. Mas também, cada vez menos pessoalizado, menos temporalizado, menos espacializado.Nas antípodas do discurso científico encontramos o discurso ideológico marcado pela forte presença do sujeito e, consequentemente, menos nominalizado, menos objectivado, menos autonomizado. Discurso da desestruturação do objecto que emerge, todavia, mais pessoalizado, mais espacializado. [...]O discurso ideológico e o discurso científico são exemplos de dois casos extremos quanto ao maior ou menor investimento do sujeito e quanto à maior ou menor estruturação do objecto. [...]Relembre-se que, no caso do discurso ideológico, se assiste, em geral, a um forte investimento do sujeito que, ocupa plenamente o lugar da enunciação e a uma fraca estruturação do objecto. Mas nem sempre assim sucede. Casos há em que o discurso ideológico, produzido por um dado enunciador, se caracteriza, sobretudo, pelo apagamento deste e pela prioridade concedida ao objecto. Neste segundo caso, o discurso ideológico como que se confunde com o discurso científico." (sublinhado meu)
José REBELO (2000). O discurso do jornal. Lisboa: Editorial Notícias. Pp. 75-77
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(1) Parret, Herman, "L'énounciation en tant que déictisation et modalisation", Langages, Nº 70, Larousse, 1983 (nota do autor)
2 comentários
Muito interessante, esta perspectiva, que nos alerta para a falácia da objectividade. Bons ventos dos nossos tempos, ainda que nos retirem a ilusão de segurança e de verdade. Não é sempre fácil viver na nossa contigência.
ResponderEliminarAna Paula Matos
Olá Ana! Obrigada pelo comentário.
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