Da filosofia

14:53

"julgamos, por vezes, servir a filosofia proibindo-a de se interessar pelos problemas do seu tempo; daí que recentemente se tenha elogiado Descartes por não ter tomado partido entre Galileu e o Santo Ofício. O filósofo não deve ter preferência por qualquer dos dogmatismos rivais, dizia-se. Ocupa-se com o ser absoluto, para além do objecto do físico e da imaginação do teólogo. Dizer isto é esquecer que, recusando-se a falar, Descartes se recusa também a dar valor e existência a esta ordem filosófica em que o situam. Calando-se, não transcende os erros gémeos, deixa-os em luta, encoraja-os, especialmente o vencedor momentâneo. Não é a mesma coisa ficar calado e dizer por que não se quer escolher. Se o tivesse feito, Descartes não poderia ter deixado de afirmar o direito relativo de Galileu contra o Santo Ofício, mesmo que, em última instância, subordinasse a física à ontologia. [...] Para que um dia tivesse existido um estado do mundo em que fosse possível um pensamento liberto, quer do cientismo, quer da imaginação, não bastou ultrapassá-los em silêncio, foi preciso falar contra [...]. O absoluto filosófico não se situa em parte alguma, nunca está algures, tem que ser defendido em cada acontecimento. Alain costumava dizer aos seus alunos: «Para nós, homens, que temos um horizonte limitado, a verdade é momentânea. É de uma situação, de um instante; é preciso vê-la, dizê-la, fazê-la nesse preciso momento, nem antes nem depois, em máximas ridículas; não várias vezes, pois nada é várias vezes». " (sublinhado meu)

Maurice MERLEAU-PONTY (1998). Elogio da Filosofia. Lisboa: Guimarães Editores. Pp.78-80

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