Dos sábios

16:41

"Outra sabedoria e defesa de nós próprios consiste em reagir o menos possível, subtraindo-nos às situações e condições por virtude das quais nos veríamos condenados a suspender de certo modo a nossa liberdade e a nossa iniciativa, para nos tornarmos um simples órgão de reacção. Adopto como termo de comparação as nossas relações com os livros: o sábio que se contenta em compulsar volumes - no filólogo de aptidões médias eleva-se o número a uns 200 por dia - acaba por perder completamente a capacidade de pensar por si próprio. Se não mexe em livros, não pensa; responde, quando pensa, a uma excitação (uma ideia lida) e limita-se, por fim, a reagir. O sábio gasta toda a sua energia em dizer sim e não, na crítica do que foi pensado por outros; mas por si próprio já não pensa. Enfraqueceu nele o instinto de defesa; caso contrário, pôr-se-ia em guarda contra os livros. O sábio é um decadente. Vi com os meus próprios olhos seres bem dotados, de forte originalidade, que ao chegarem aos trinta anos se corrompem pela leitura. Tal como os fósforos, esses, para darem luz, «ideias», carecem de fricção. Ler um livro nas primeiras horas da manhã, quando o dia começa, quando o espírito possui toda a sua frescura, isso então chamo-lhe eu vício!"

Friedrich NIETZSCHE (2004). Ecce Homo. Lisboa: Guimarães Editores. Pp. 55-56


You Might Also Like

0 comentários

Licença Creative Commons
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.