Dos direitos humanos

13:07

Lia há dias um artigo de Danielle Bleitrach no sítio Rebelion sobre a questão do Tibete. Dizia então:
"Aunque es posible que Occidente desarrolle campañas destinadas a sensibilizar a la opinión pública sobre la cultura propia del Tíbet, su espiritualidad burlada y la falta de respeto a los derechos humanos [..], en el plano internacional es difícil que los países occidentales que, tras Estados Unidos, favorecen estas campañas, no reconozcan el Tíbet como territorio chino. En ningún momento aparece el reconocimiento de un territorio independiente tibetano en el plano internacional incluso si, como vimos, Gran Bretaña propuso en el momento de la instauración de la República China una determinada autonomía y el reconocimiento de un poder «espiritual». Legalmente es difícil, si no imposible, reconocer esta independencia, por lo que, esencialmente, es sobre la represión y los derechos humanos donde actúa la intervención occidental. 
[...] Por lo tanto tenemos una estrategia en su punto: promover las actuaciones de las ONG, los grupos tradicionalmente financiados por Occidente que se congregan contra un país afirmando que los derechos humanos, la «espiritualidad y la cultura autóctona están amenazados y que existen situaciones intolerables. Los países occidentales al principio no dicen nada porque saben que la legalidad internacional no está de su parte, pero apoyan la campaña pronunciándose sobre los derechos humanos y la represión. Y entonces China les reprocha la situación de Oriente Próximo y sus propias represiones. Parece difícil imaginar actualmente una intervención militar contra China, pero se trata de mantener los lugares de rebelión potenciales y las campañas que creen una opinión." (Danielle Bleitrach, 2008)
É-me particularmente impossível ler artigos como este e não ver aqui uma separação simplista, intencional ou não, entre Ocidente e Oriente. A exposição de Danielle Bleitrach, ao focar a sua atenção sobre aspectos militares, estratégicos, ideológicos sobre a questão do Tibete desvia - assim creio - a atenção do que me parece aqui fundamental: a questão dos direitos humanos. Podemos continuar a perguntar-nos infinitamente sobre a legitimidade ou não da independência do Tibete, podemos invocar todas as razões históricas para a adopção de medidas políticas, por parte da comunidade internacional ocidental, que não legitimem posições de separatismo e podemos invocar até - e com toda a legitimidade - que tanto a Europa como os E. U. A. têm assuntos internos a resolver antes de se intrometerem em querelas externas.
Mas a questão fundamental que persiste, que continua a persistir, no meio deste debate e de todos os outros debates como este continua a ser a questão dos direitos humanos. E aqui também há sempre quem queira rotulá-los de ocidentais ou americanos. E esta rotulagem serve para ambos os lados: para os ocidentais que se arvoreiam de legítimos criadores dos Direitos Humanos - afinal, não teve a Declaração Universal de 1948 como referência a Declaração de 1789? - e se vêm como os seus omnipotentes guerreiros guardiães; por outro lado os orientais, que vêm os direitos humanos como uma estratégia manipulativa da ideologia ocidental cujo único intuito é dividir para imperar ou ajudar para imperar.
Todo o discurso que sirva para manter esta divisão parece-me pestilento e cria, inevitavelmente, hostes segregacionistas que em nada contribuem para a resolução de conflitos. De resto, este discurso do apartheid ideológico aparece hoje nos meios de comunicação social como profícuo e desejável.
E a propósito de direitos humanos devo mencionar aqui o artigo de François Julien para o jornal Le Monde Diplomatique- edição portuguesa de Fevereiro de 2008 intitulado "Os direitos humanos são universais?". Neste artigo François Julien defende a contingência da noção de direitos humanos mas insiste na defesa da dignidade do homem. Diz o artigo:
"toda a justificação ideológica de uma universalidadedos direitos humanos não tem saída. [...]não é apenas porque o Ocidente os promoveu onde chegava ao cume do seu poder e podia pretender, através do seu imperialismo, impô-los ao resto do mundo, que hoje os debatemos entre as nações, mas também porque este estatuto de abstracção os torna isoláveis, portanto intelectualmente manejáveis, facilmente identificáveis e transferíveis, e deles fazem um objecto - ferramenta - privilegiado para o diálogo. [...]
Todos os que, pelo mundo fora, invocam os direitos humanos nem por isso aderem à ideologia ocidental (e será que a conhecem?); mas encontram nestes «direitos humanos» o último argumento, ou melhor, instrumento, passado infatigávelmente de mão em mão e disponível para qualquer causa de futuro, não tanto para desenhar uma nova figura de oposição, de que se pode sempre desconfiar que faz ainda parelha com o seu parceiro-adversário, mas para - mais radicalmente - recusar. [...]
"os direitos humanos são um universalizante forte e eficaz. Porque a questão, com os direitos humanos, já não é a de saber se eles são universalizáveis, isto é, se eles podem ser entendidos como enunciado de verdade em todas as culturas do mundo - onde, neste caso, a resposta é não - mas a de assegurar que produzem um efeito de universal servindo de incondicional (tal é a sua função de arma ou de ferramenta negativa) em nome do qual um combate a priori é justo, uma resitência legítima." (p. 23)
Incontornável.
Que seja o homem, então, a questão fulcral dos conflitos mundiais. E deixemo-nos de justificar a nossa alienação e inacção, do alto da nossa arrogância de povos que se julgam os precursores do progresso histórico, com querelas ideológicas. Não se trata de saber se o Ocidente tem legitimidade ou não para irromper numa acção militar contra a China: o Afeganistão e o Iraque não serviram já de exemplo?
Que na base das discussões esteja então o grito que lançamos ou a mão que estendemos, intuitivamente, para impedir a criança de cair ao poço, como sublinhou Julien:
"este grito que lançamos (este braço que estendemos) perante esta criança quase a cair ao poço é evidentemente, sem que seja necessária qualquer interpretação ou mediação cultural, um grito - «inato» - do sentido comum do humano." (p. 23)
A legitimidade das campanhas pela dignidade do homem acaba onde começa a intervenção militar.

(sublinhados meus)
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Referências:

Danielle BLEITRACH. "La extraña cobertura informativa occidental sobre el Tíbet y China" (19/03/2008). Texto traduzido para espanhol por Caty R. em Rebelión: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=64813
Texto original em francês em http://socio13.wordpress.com/2008/03/15/quelques-rares-informations-sur-la-chine-et-le-tibet/

François JULIEN. "Os direitos humanos são universais?" in Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, Fevereiro de 2008, pp. 22-23

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