Os jovens e a política

19:21




Há umas semanas atrás comentava o Presidente da República o resuldado de um estudo que, segundo a sua leitura, revelava o desinteresse dos jovens pela política. Há dois dias lia os comentários de Manuel Villaverde Cabral a respeito disto no PÚBLICO, num artigo escrito por São José Almeida:
"Os jovens de hoje, tal como há dez anos, "estão mais disponíveis para mobilizações pontuais, com contornos precisos e limitadas no tempo", mas não estão disponíveis para serem mobilizados por partidos políticos, garante Manuel Villaverde Cabral, investigador do Instituto de Ciências Sociais, que dirigiu, há dez anos, o primeiro grande estudo sobre os comportamentos juvenis em Portugal, Jovens Portugueses Hoje (Edições Celta, 1997). A questão é que "os jovens são mais instruídos, mais informados e, por isso, não são facilmente mobilizáveis", mas "são muito mobilizáveis" se considerarem que a causa é positiva, sustenta. "É verdade que há um distanciamento crescente da política", mas também "um crescente envolvimento de jovens no voluntariado", realça. [...] "Tudo depende do que está em jogo e do grau de autonomia".
Villaverde Cabral diz que "já há dez anos a falta de envolvimento dos jovens na política era notória, já havia desvinculação". E salienta que "as próprias culturas jovens são apolíticas, não políticas ou até antipolíticas".
Para o cientista social, o problema é outro e tem a ver com a interpretação da expressão "política". "Cada vez mais, quando se fala em política, as pessoas pensam em partidos e não gostam". Nos inquéritos que têm sido feitos, "é visível que, quando são apresentados os valores políticos só por si, os jovens aderem e acreditam", sublinha.
O desfazamento entre os jovens e a política institucional, partidária e parlamentar, diz, tem a ver com o facto de "a política partidária não mobilizar e só pretende atrair os jovens para votar". "A abstenção é a manifestação benigna de estar contra o sistema", sustenta.
O investigador sublinha ainda que "cada vez que os jovens reivindicam com base nas suas causas e nos seus problemas, os políticos tratam-nos como menores e mandam-nos para casa". A propósito, lembrou o caso da "geração rasca", expressão usada por Vicente Jorge Silva, então director do PÚBLICO, para classificar os jovens que, numa manifestação antipropinas, mostraram o rabo com letras escritas, formando a frase "Não pagamos". Villaverde Cabral conclui: "O erro foi da análise, porque os jovens mostraram o rabo e mostraram bem, porque perceberam que as causas só existem se existirem na televisão." (São José Almeida, "Jovens estão distantes da política institucional" in PÚBLICO, 12 de Maio de 2008, pp. 16-17 (sublinhado meu))
E a propósito de participação e de política, Boaventura de Sousa Santos (B. de Sousa Santos (1994). Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Porto: Afrontamento), há uns anos atrás, chamava a atenção para a ausência em Portugal do que então definiu como Novos Movimentos Sociais. E dizia ele que esta ausência se poderia dever a três factores: 1) o surgimento de novos partidos políticos que apareciam contra os NMS, 2) a forte pressão da Igreja Católica para impedir movimentos progressistas quer de padres quer de leigos e 3) o constante aliciamento de participação clientelística aos novos protagonistas por parte dos velhos partidos políticos.
O que caracterizava estes NMS, que B. de Sousa Santos entendia como emergentes em diferentes partes do globo mas com dificuldades de se fazerem sentir em Portugal, era, precisamente, o meio onde surgiam - a sociedade civil - mantendo vincado o seu distanciamneto em relação a partidos políticos ou ao Estado. Mesmo que, muitas vezes, o impacto procurado fosse político, os NMS visavam interesses localizados, mas facilmente universalizáveis. O facto é que, como bem notou B. de Sousa Santos, a distância que os NMS diziam manter dos partidos políticos era apenas aparente e que, na maior parte das vezes, esses NMS mantinham alianças com partidos e/ou sindicatos e, em certos casos, acabavam mesmo por se transformar em partidos políticos.
Eu diria que, hoje, estamos além dos NMS. É verdade que já assistimos a Movimentos Sociais em Portugal, mas, creio, a participação política desejável vai além deles, muito além deles.
Como bem referiu Villaverde Cabral no artigo citado acima, os jovens de hoje "não são facilmente mobilizáveis", mas eu diria mais: nós não somos facilmente manipuláveis. Há uma recusa da nossa parte em seremos marionetas de partidos políticos ou sindicatos na luta por votos ou protagonismo. Recusamos terminantemente dar voz a querelas partidárias e queremos unicamente "transformar o dia-a-dia das vítimas de opressão hic et nunc". "Estão mais disponíveis para mobilizações pontuais, com contornos precisos e limitadas no tempo", porque essa é a única forma de mobilização em depositamos os nossos esforços sem nos vermos presos a uma militância em que não acreditamos.
E, ao contrário do que a sociedade nos faz crer, nós, jovens de hoje, não somos herdeiros de nenhuns direitos conquistados no Maio de 68 ou no 25 de Abril. Nada nos é dado como garantido e nós assim não o julgamos; temos hoje que lutar por e reivindicar talvez os mesmos direitos que os nossos pais reivindicavam há mais de trinta anos atrás [e faço aqui a devida vénia aos protagonistas que estiveram no palco das lutas desses tempos, pois estou consciente que acaso não tivessem existido estaríamos muito pior].
Vivemos na era das incertezas, convivemos com elas, e por isso recusamos o que nos soa a dogma, autoritarismo e opressão.
Talvez as nossas formas de reivindicar pareçam pouco ortodoxas aos olhos dos nossos pais - e eu faço parte da "geração rasca" que baixou as calças e mostrou o "Não pagamos" escrito onde se sabe - mas, não que entendamos que os fins justificam os meios, simplesmente quanto maior é a indiferença por parte de quem detém o poder (seja ele qual for), mais radicais se tornam as acções para chamar a atenção. E, no pior dos casos, torna-se apatia.
Não, nós não estamos alheados da política, embora sintamos que a política se alheou de nós quando nos trata como meros miúdos inconsequentes e impertinentes.
Surja uma causa em que acreditemos e verão surgir as movimentações juvenis, redes de solidariedade, que só quem anda muito, muito distraído ainda não notou.
E não, não precisamos de partidos, sindicatos, organizações ou Movimentos Sociais para nos organizarmos. E tenham a decência de não nos rotularem quando o decidimos fazer.
Somos cidadãos e indivíduos e recusamos ser números na multidão ou fantoches de lutas que não são as nossas. Temos opinião e voz e recusamos intermediários.

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