"A política não se faz em Braga"

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É preciso ter nascido numa outra cidade de Portugal que não seja Lisboa, Porto e Coimbra, para poder perceber o estado de espírito de alguém que ouve uma frase como aquela que dá título a este post. Em mim esta frase causa-me, no mínimo, perplexidade. Não interessa o contexto onde ela foi proferida, mas interessa todo o conjunto de argumentos que se podem apontar acerca de como a frase é inusitada.
Em primeiro lugar, importa esclarecer o conceito de política de que estamos a falar. O conceito de política é extremamente vasto e controverso. Ela pode ser vista, de um ponto de vista muito particular, como uma actividade pública:
"[...] does ‘politics’ refer to a particular way in which rules are made, preserved or amended (that is, peacefully, by debate), or to all such processes? Similarly, is politics practised in all social contexts and institutions, or only in certain ones (that is, government and public life)?" Andrew Heywood, 2007. Politics. Palgrave Macmillan.
Andrew Heywood acaba por defini-la como a "actividade através da qual as pessoas fazem, preservam e emendam as regras gerais através das quais elas vivem". Hannah Arendt define-a como a mais importante forma de actividade humana, na medida em que envolve interacção entre cidadãos livres e iguais e Aristóteles já argumentava que o homem é um animal político. Daqui se depreende que eu posso fazer política de mil e uma maneiras e em mil e um lugares: a escrever num blog, a fazer pirataria online, a assistir a uma reunião, ou sentada à mesa de um bar. Deste ponto de vista a política faz-se em todo o lado e está em todo o lugar: desde o lamento da senhora reformada sobre o corte nas pensões, ao poema que um autor escreve, até aos protestos de rua de diferentes camadas da população. Faz-se política fazendo greve ou optando pelo silêncio numa discussão. A política não se circunscreve ao espaço fechado da máquina governamental ou dos partidos políticos. A política é "um traço inevitável da condição humana" (Heywood, op. cit).
O segundo ponto que quero referir é o preconceito que advém do conceito de periferia. Fico perplexa quando ficamos incomodados com o facto de se falar de Portugal, Espanha, Itália, Grécia como países periféricos da Europa, mas não nos incomodamos com a centralização do poder no nosso próprio país. Como é possível que fiquemos indignados com a situação de periferia de Portugal na Europa, mas não fazemos um mínimo de esforço para perceber as regiões periféricas dentro do nosso país. É, no mínimo, paradoxal. É nestas alturas que eu, sendo bracarense, me questiono sobre se não seria preferível vivermos num estado Galiza-Minho. Como eu entendo, nestas alturas, os meus amigos galegos que me falam sobre o preconceito que sofrem! Veja-se, a título de exemplo, a polémica que surgiu na Galiza quando a vereadora da cultura da Corunha, Ana Fernández, criticou o governo municipal anterior por programar coisas "demasiado gallegas".
Num momento em que se fala de reforma da Administração Local, eu ponho-me a pensar, quando ouço comentários como estes, que faz cada vez mais sentido pensar novamente a questão da regionalização. Há dias, o presidente do Conselho Económico e Social (CES) defendia a transferência de serviços públicos para o interior (http://aeiou.visao.pt/). Na semana passada foi a vez do historiador Gaspar Martins Pereira defender que uma reforma administrativa deveria passar pela inclusão da regionalização, sob pena de essa reforma ficar "seriamente amputada" (Expresso). João Paulo Barbosa de Melo, por sua vez, veio, também na semana passada, afirmar que "[a regionalização] é sempre apresentada como uma coisa despesista, que torna o país mais difícil de governar. Se calhar é verdade, fica mais difícil de governar a partir de Lisboa mas tenho a certeza que ficaria mais bem governado" (http://www.dinheirovivo.pt/). Eric Juliana, a propósito do mesmo tema, escrevia, em 2005, as seguintes palavras: 
“…as Autonomías contribuiram notavelmente para a modernização de Espanha, adiantando-se em certa medida ao futuro. A Europa tende claramente para a descentralização. Os alemães, forçados, como uma vacina contra um IV Reich; os britânicos, campeões do senso comum, conseguiram encarrilar o mal-estar da Escócia; os ilatianos continuam a bater na mesma tecla mas avançam para um certo esquema federal. Em Portugal volta a colocar-se a questão da regionalização; e a complexa crise da França é também a crise do centralismo. Sem as Autonomías, a Espanha não teria aproveitado com tanta eficácia os fundos de coesão e outras ajudas europeias. Não há dúvida de que as autonomias fizeram bem à Espanha.” Enric Juliana (2005). La España de los Pingüinos. Una visión antibalcánica del porvenir español: la concordia es posibleBarcelona, Destino, p. 9. Via blog de Álvaro Iriarte S..
Como anarquista não acredito que os problemas regionais se resolvam através de um maior poder às instituições governativas. Há outras formas de fazer política que não se restringem a estes espaços. No entanto, a descentralização aproxima os cidadãos da vida política e garante-lhes uma maior intervenção nos assuntos que diariamente os preocupam, além de que é mais fácil garantir que os interesses regionais não sejam sobrepostos pelos interesses centrais. 
Há tempos, escrevia aqui neste blog, a propósito da conferência de Giles Lipovetsky no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, que quanto mais se insiste numa cultura global, mais cresce o sentimento de identidade e nacionalismo: 
Há ainda um outro ponto positivo que advém da cultura-mundo: a revitalização das identidades. Quanto mais global se torna o mundo, maior é o investimento nas identidades particulares através da reabilitação e revalorização do património, da história, da cultura, da religião, da gastronomia, da língua, e mesmo dos afectos e da forma de os expressar. Vemos novos nacionalismos, para o bem e para o mal.
Se este sentimento de pertença e identidade não for aproveitado de forma positiva, irá degenerar em extremismos como aqueles que se têm vindo a verificar um pouco por toda a Europa. Veja-se a este propósito o dossier da Presseurop sobre a extrema-direita na Europa, disponível aqui.

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