Ainda a RD Congo

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Este post deveria ter sido escrito há algumas semanas atrás, no dia em que os resultados das eleições na RD Congo foram divulgados e em que surgiram acusações de fraude eleitoral, no dia em que muitos congoleses saíram à rua para protestar por eleições justas e democráticas e sofreram violência policial.
Não o fiz na altura e desde então muitos outros acontecimentos mais "mediáticos" acabaram por preencher a agenda nacional e internacional. De facto, esta semana foi fértil em acontecimentos notáveis, uns pela positiva, outros nem por isso. 
Vimos o ressurgimento dos protestos na Síria e o hastear da bandeira palestiniana na sede da UNESCO; ainda esta semana a revista TIME elegeu como personalidade do ano de 2011 o manifestante, numa clara homenagem aos movimentos sociais que se iniciaram na Tunísia e se estenderam à Praça Tahir, à Praça do Sol e chegaram às Américas, do Sul e do Norte, aos E.U.A., país a partir do qual a desobediência civil se transformou em objecto de estudo científico. Os mesmos E.U.A., que se auto-elogiam pela defesa das liberdades individuais, conseguiram, só nesta semana, a extraordinária proeza de aprovar a Indefinite detention Bill, ao mesmo tempo que congelavam a ajuda ao Paquistão, impunham novas sansões financeiras ao Irão e enfureciam os russos com as suas novas relações com a Geórgia. Por cá, Pedro Nuno Santos repetiu, a viva voz e para quem quis ouvir, o que muitos cidadãos portugueses vinham dizendo, há pelo menos um ano, em todas as redes sociais: e se não pagássemos a nossa dívida? Na voz de um deputado a mensagem tem outro peso. E não é que foi levada a sério! A voz da autoridade falou e todos se espantaram. Mas finalmente a mensagem passou. Teremos acordado, ou isto faz parte do circo da política nacional?
Com tanto que falar na agenda política nacional e internacional porque será, então, que insisto em falar na RD Congo? Que importância poderão ter umas eleições num país africano que vive em permanente guerra civil há quase duas décadas? É muito provável que, acaso eu não tivesse tropeçado no Burundi, por mera casualidade, dessas com que somos presenteados no decurso da nossa vida, hoje não estaria, certamente, a escrever sobre a RD Congo. Isto seria assim porque raramente nos chegam notícias do país. Da minha experiência de activismo na Amnistia Internacional, não me recordo um único apelo feito em nome de cidadãos congoleses. Não só o conflito na RD Congo é complexo para aparecer em cinco minutos de um telejornal, como não é suficientemente "apelativo" - o que quer que isso queira dizer - para fazer primeiras páginas de jornais. Da RD Congo temos como referência talvez o filme de Edward Zwick, Diamantes de Sangue, sobre o conflito de minerais, ou as reportagens sobre as violações em massa de milhares de mulheres congolesas. Alguns mais atentos saberão ainda que a RD Congo foi considerado pelas Nações Unidas o pior país do mundo para se nascer mulher. E mais nada. É só. Não nos chegam notícias de manifestações, movimentos sociais, repressões, violência, ao contrário do que acontece para o Egipto, a Líbia, a Síria, o Irão, a Rússia. E como não nos chegam as imagens, é como se elas não existissem; é como se o próprio país e toda a sua população deixassem de existir ou, pior, nunca tenham existido. 
Insisto, não fosse uma extraordinária casualidade, nem eu estaria a falar da RD Congo hoje. Só por mera casualidade aterramos em Bujumbura ou Kinshasa. Por mera causalidade, eu vivi no Burundi por quase nove meses, partilhei ali o mesmo sentimento de insegurança sentida pela população perante a impunidade e a violência. Todos os dias ouvia relatos de violações de direitos humanos e todos os dias fazia um esforço enorme para tentar perceber a razão da irracionalidade.  Quem conhece a história do genocídio no Ruanda sabe porque falo de Burundi quando o centro da minha atenção é a RD Congo e sabe que o conflito no centro de África é, seguramente, um dos mais sangrentos da nossa história recente. Incidentes que surjam ali, repercutem-se por todos os países vizinhos: Ruanda, Burundi, Uganda, Angola, etc. Sim, a Angola de Eduardo dos Santos, que partilha com o RD Congo a fronteira a sul e que, por essa pequena circunstância, tem já o seu nome inscrito na  história dos conflitos da RD Congo (http://www.economist.com/node/21525451http://www.congoplanet.com/article.jsp?id=45261514). Pois é, também Angola, com quem Portugal mantém harmoniosas relações diplomáticas, esteve profundamente envolvida em violações de direitos humanos na RD Congo. Como vêem, a RD Congo também é problema nosso.
Ontem o Supremo Tribunal do Congo confirmou os resultados das eleições, contra todas as vozes que apontavam irregularidades e fraudes.  No final do dia o Senador americano Coons  expunha num comunicado a seguinte mensagem: 
"This was clearly not a well-run election, as reported by observers from the European Union, Carter Center, and Congolese Catholic Church.  Congolese authorities must engage in a thorough and transparent review of the results that will shed light on whether irregularities were caused by a lack of organization or fraud, [...]""We are increasingly concerned that the election irregularities are a setback for already weak systems of governance in Congo, and may further destabilize the DRC and lead to an escalation of violence.  All sides should engage in dialogue about next steps and consider establishing a formal mediation process with the support of the international community.  We call on President Kabila to direct his security forces to protect the Congolese people, and work with Mr. Tshisekedi to resolve their disagreements in a way that will restore credibility to the process." (Fonte: United States Senate).
Não sei o que se passará na RD Congo nestes próximos dias, mas sem a atenção da comunidade internacional e sem uma mediação empenhada para assegurar eleições justas e democráticas, o país ficará à beira do caos. Como referiu uma jornalista na semana passada, "nowhere are crises more predictable than in the Democratic Republic of the Congo" (http://www.foreignpolicy.com/).
Deixo aqui o apelo que a organização Friends of the Congo fez hoje aos líderes mundiais.   Espero que desta vez a diplomacia resulte. Se não resultar, preparem-se para violência... de novo:   

"On November 28, 2011, the Democratic Republic of Congo (DRC) held its second presidential and parliamentary elections since the devastating war that began in 1996 and continues to claim lives in the eastern part of the country. Assassinations, intimidation, and other human rights violations have been documented since the beginning of the electoral process. Human Rights Watch reported that of the 18 people dead as a result of electoral violence on November 26, the majority of those killed were shot dead by President Kabila’s Republican Guard soldiers in Kinshasa. 
On December 9, 2011, the preliminary presidential election results were announced. The electoral commission reported that Joseph Kabila was the leading candidate with 8,880,944 votes, or 49% of the votes cast. He was followed by Etienne Tshisekedi with 5,864,775 or 32%. 
The Archbishop of the Catholic Church in Kinshasa, Cardinal L. Monsengwo Pasina says the results correspond neither to truth nor justice. The Carter Center who observed the elections said that they lacked credibility. The Carter Center also observed that 2,000 polling station results numbering 750,000 votes were missing in Kinshasa alone. The European Union deplored the lack of transparency, and the irregularities in the collection, compilation and publication of the results. They also noted that results from 4,875 polling stations totaling 1.6 million votes were missing. 
Steps taken by the Kabila regime ranging from the change in the constitution, appointment of a member of his party and close adviser as president of the electoral commission, and the stacking of the Supreme Court at the outset of the launch of the electoral campaign all strongly suggest a premeditated attempt to rig the elections or produce a fraudulent outcome. 
In light of the acute political crisis in which the Congo is trapped, Friends of the Congo recommends that world leaders get fully engaged immediately and advance the following:
1. Refrain from recognizing Joseph Kabila as winner of the 2011 presidential election.
2. Facilitate a high-level mediation process made up of the Southern African Development Community, the African Union, The European Union, The United Nations, select respected former African heads of states and representatives from the United States, England and China.
3. Assure that the will of the people is accurately reflected in the legislative elections.
It is critical that the current political crisis in the Congo is given the attention it deserves with the particular focus on making sure that the will of the Congolese people is respected."

Friends of the Congo
Washington, DC
December 17, 2011

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