Movimentos Sociais

Inspiração para 2012

00:07


Portugueses do mundo, inspirai-vos:

“Como figura internacional tenho a mesma eleição que a revista TIME: o protesto, precisamente porque ele vem nos antípodas do que eu acho que está a passar-se em Portugal, que é a diminuição intelectual de todos nós. [...] Quando o ministro Relvas [...] toma decisões unilaterais sobre coisas tão importantes como o serviço público sem que haja um único protesto cívico [...] isto é o fim da democracia [...]. É a aceitação de tudo; “nós já tomamos a decisão por vocês”. Ora isto cheira-me a quê? Eu já vivi no sistema antigo em que as pessoas tomavam a decisão por mim e me diziam o que é que eu devia fazer; nisto sou mais liberal que o Governo. E portanto, o protesto é para mim muito importante: Occupy Wall Street, o protesto árabe, totalmente inesperado [...]. E como quem já leu história, quem continua a ler história, coisa que estes governantes não fizeram, sabem que o inesperado acontece. E mais: sabem que quem comanda a História, de um modo kitsch ou não, como dizia o Kundera, são as massas, e o mundo vai mudar.”

Clara Ferreira Alves no Eixo do Mal, SIC Notícias (25/12/2011)


Comunismo

Slavoj Žižek sobre a crise da Esquerda

03:21


Vale a pena ler na íntegra a entrevista de Slavoj Žižek sobre a actual crise da Esquerda publicada no The Platypus Affiliated Society. Žižek fala dos movimentos sociais recentes, do seu papel, da sua linguagem e as suas falhas; analisa as velhas correntes de esquerda, as suas formas de luta, as suas fraquezas, e as suas vantagens. 
E, já agora, vale a pena também dar uma vista de olhos às páginas Crises of the Left
The Platypus Affiliated Society, que apresentam um fórum de discussão sobre os desafios da Esquerda actual, com disponibilização de textos relevantes que servem de tema para interessantes debates.
"The big task today is to avoid this, what Lacan called, with a beautiful term, the “narcissism of the lost cause.” You know, “We lost, but how beautifully we lost.” You fall in love with your own defeat, and, even worse, make of defeat a sign of authenticity. “We lost because life is cruel, but look at how beautiful it was,” etc. No. The same holds for ’68: We should find a way for Marxism or communist revolution to be something other than a detour between one and another stage of capitalism. This is the lesson of the 20th century. The lessons are only negative: We learn what not to do. This is very important. Maybe I’m wrong, but I don’t see positive lessons. I am an honest pessimist.
But, if we do nothing, it will be even a greater radical catastrophe. The true utopia is that things can go on indefinitely as they are. The crisis of 2008 made it seem like it was merely a lack of regulation and corrupted individuals. No, the crisis is different. Today we are approaching dangerous times. We cannot rely on any tradition. Left tradition has a tendency, when it takes power, to turn into brutal domination. How to break this deadlock between two sides that are, as Stalin would have put it, “both worse.”"

África

Ainda a RD Congo

00:49



Este post deveria ter sido escrito há algumas semanas atrás, no dia em que os resultados das eleições na RD Congo foram divulgados e em que surgiram acusações de fraude eleitoral, no dia em que muitos congoleses saíram à rua para protestar por eleições justas e democráticas e sofreram violência policial.
Não o fiz na altura e desde então muitos outros acontecimentos mais "mediáticos" acabaram por preencher a agenda nacional e internacional. De facto, esta semana foi fértil em acontecimentos notáveis, uns pela positiva, outros nem por isso. 
Vimos o ressurgimento dos protestos na Síria e o hastear da bandeira palestiniana na sede da UNESCO; ainda esta semana a revista TIME elegeu como personalidade do ano de 2011 o manifestante, numa clara homenagem aos movimentos sociais que se iniciaram na Tunísia e se estenderam à Praça Tahir, à Praça do Sol e chegaram às Américas, do Sul e do Norte, aos E.U.A., país a partir do qual a desobediência civil se transformou em objecto de estudo científico. Os mesmos E.U.A., que se auto-elogiam pela defesa das liberdades individuais, conseguiram, só nesta semana, a extraordinária proeza de aprovar a Indefinite detention Bill, ao mesmo tempo que congelavam a ajuda ao Paquistão, impunham novas sansões financeiras ao Irão e enfureciam os russos com as suas novas relações com a Geórgia. Por cá, Pedro Nuno Santos repetiu, a viva voz e para quem quis ouvir, o que muitos cidadãos portugueses vinham dizendo, há pelo menos um ano, em todas as redes sociais: e se não pagássemos a nossa dívida? Na voz de um deputado a mensagem tem outro peso. E não é que foi levada a sério! A voz da autoridade falou e todos se espantaram. Mas finalmente a mensagem passou. Teremos acordado, ou isto faz parte do circo da política nacional?
Com tanto que falar na agenda política nacional e internacional porque será, então, que insisto em falar na RD Congo? Que importância poderão ter umas eleições num país africano que vive em permanente guerra civil há quase duas décadas? É muito provável que, acaso eu não tivesse tropeçado no Burundi, por mera casualidade, dessas com que somos presenteados no decurso da nossa vida, hoje não estaria, certamente, a escrever sobre a RD Congo. Isto seria assim porque raramente nos chegam notícias do país. Da minha experiência de activismo na Amnistia Internacional, não me recordo um único apelo feito em nome de cidadãos congoleses. Não só o conflito na RD Congo é complexo para aparecer em cinco minutos de um telejornal, como não é suficientemente "apelativo" - o que quer que isso queira dizer - para fazer primeiras páginas de jornais. Da RD Congo temos como referência talvez o filme de Edward Zwick, Diamantes de Sangue, sobre o conflito de minerais, ou as reportagens sobre as violações em massa de milhares de mulheres congolesas. Alguns mais atentos saberão ainda que a RD Congo foi considerado pelas Nações Unidas o pior país do mundo para se nascer mulher. E mais nada. É só. Não nos chegam notícias de manifestações, movimentos sociais, repressões, violência, ao contrário do que acontece para o Egipto, a Líbia, a Síria, o Irão, a Rússia. E como não nos chegam as imagens, é como se elas não existissem; é como se o próprio país e toda a sua população deixassem de existir ou, pior, nunca tenham existido. 
Insisto, não fosse uma extraordinária casualidade, nem eu estaria a falar da RD Congo hoje. Só por mera casualidade aterramos em Bujumbura ou Kinshasa. Por mera causalidade, eu vivi no Burundi por quase nove meses, partilhei ali o mesmo sentimento de insegurança sentida pela população perante a impunidade e a violência. Todos os dias ouvia relatos de violações de direitos humanos e todos os dias fazia um esforço enorme para tentar perceber a razão da irracionalidade.  Quem conhece a história do genocídio no Ruanda sabe porque falo de Burundi quando o centro da minha atenção é a RD Congo e sabe que o conflito no centro de África é, seguramente, um dos mais sangrentos da nossa história recente. Incidentes que surjam ali, repercutem-se por todos os países vizinhos: Ruanda, Burundi, Uganda, Angola, etc. Sim, a Angola de Eduardo dos Santos, que partilha com o RD Congo a fronteira a sul e que, por essa pequena circunstância, tem já o seu nome inscrito na  história dos conflitos da RD Congo (http://www.economist.com/node/21525451http://www.congoplanet.com/article.jsp?id=45261514). Pois é, também Angola, com quem Portugal mantém harmoniosas relações diplomáticas, esteve profundamente envolvida em violações de direitos humanos na RD Congo. Como vêem, a RD Congo também é problema nosso.
Ontem o Supremo Tribunal do Congo confirmou os resultados das eleições, contra todas as vozes que apontavam irregularidades e fraudes.  No final do dia o Senador americano Coons  expunha num comunicado a seguinte mensagem: 
"This was clearly not a well-run election, as reported by observers from the European Union, Carter Center, and Congolese Catholic Church.  Congolese authorities must engage in a thorough and transparent review of the results that will shed light on whether irregularities were caused by a lack of organization or fraud, [...]""We are increasingly concerned that the election irregularities are a setback for already weak systems of governance in Congo, and may further destabilize the DRC and lead to an escalation of violence.  All sides should engage in dialogue about next steps and consider establishing a formal mediation process with the support of the international community.  We call on President Kabila to direct his security forces to protect the Congolese people, and work with Mr. Tshisekedi to resolve their disagreements in a way that will restore credibility to the process." (Fonte: United States Senate).
Não sei o que se passará na RD Congo nestes próximos dias, mas sem a atenção da comunidade internacional e sem uma mediação empenhada para assegurar eleições justas e democráticas, o país ficará à beira do caos. Como referiu uma jornalista na semana passada, "nowhere are crises more predictable than in the Democratic Republic of the Congo" (http://www.foreignpolicy.com/).
Deixo aqui o apelo que a organização Friends of the Congo fez hoje aos líderes mundiais.   Espero que desta vez a diplomacia resulte. Se não resultar, preparem-se para violência... de novo:   

"On November 28, 2011, the Democratic Republic of Congo (DRC) held its second presidential and parliamentary elections since the devastating war that began in 1996 and continues to claim lives in the eastern part of the country. Assassinations, intimidation, and other human rights violations have been documented since the beginning of the electoral process. Human Rights Watch reported that of the 18 people dead as a result of electoral violence on November 26, the majority of those killed were shot dead by President Kabila’s Republican Guard soldiers in Kinshasa. 
On December 9, 2011, the preliminary presidential election results were announced. The electoral commission reported that Joseph Kabila was the leading candidate with 8,880,944 votes, or 49% of the votes cast. He was followed by Etienne Tshisekedi with 5,864,775 or 32%. 
The Archbishop of the Catholic Church in Kinshasa, Cardinal L. Monsengwo Pasina says the results correspond neither to truth nor justice. The Carter Center who observed the elections said that they lacked credibility. The Carter Center also observed that 2,000 polling station results numbering 750,000 votes were missing in Kinshasa alone. The European Union deplored the lack of transparency, and the irregularities in the collection, compilation and publication of the results. They also noted that results from 4,875 polling stations totaling 1.6 million votes were missing. 
Steps taken by the Kabila regime ranging from the change in the constitution, appointment of a member of his party and close adviser as president of the electoral commission, and the stacking of the Supreme Court at the outset of the launch of the electoral campaign all strongly suggest a premeditated attempt to rig the elections or produce a fraudulent outcome. 
In light of the acute political crisis in which the Congo is trapped, Friends of the Congo recommends that world leaders get fully engaged immediately and advance the following:
1. Refrain from recognizing Joseph Kabila as winner of the 2011 presidential election.
2. Facilitate a high-level mediation process made up of the Southern African Development Community, the African Union, The European Union, The United Nations, select respected former African heads of states and representatives from the United States, England and China.
3. Assure that the will of the people is accurately reflected in the legislative elections.
It is critical that the current political crisis in the Congo is given the attention it deserves with the particular focus on making sure that the will of the Congolese people is respected."

Friends of the Congo
Washington, DC
December 17, 2011

Actualização: 

África

Na wewe

16:17


Encontrei este filme em Bruxelas na semana passada. 'Na wewe', que significa 'tu também' em kirundi, a língua oficial do Burundi, é, tanto quanto sei, o único filme feito que retrata a violenta guerra civil no Burundi, desencadeada pelo genocídio no Ruanda. O filme é uma curta-metragem de perto de 20 minutos, tem como cenário o Burundi do ano de 1994 e foca os conflitos étnicos  entre as duas principais etnias do país: os tutsis e os hutus. O genocídio ruandês tinha já sido retratado no cinema em filmes como Hotel Ruanda, mas pouco ou nada havia sido feito acerca de como o conflito de 1994 se propagou para os países vizinhos do Ruanda, como o Burundi ou a RD Congo. 
'Na wewe' ganhou mais de uma dezena de prémios internacionais e foi nomeado para os Óscares de 2011.

Direitos

"A política não se faz em Braga"

10:00



É preciso ter nascido numa outra cidade de Portugal que não seja Lisboa, Porto e Coimbra, para poder perceber o estado de espírito de alguém que ouve uma frase como aquela que dá título a este post. Em mim esta frase causa-me, no mínimo, perplexidade. Não interessa o contexto onde ela foi proferida, mas interessa todo o conjunto de argumentos que se podem apontar acerca de como a frase é inusitada.
Em primeiro lugar, importa esclarecer o conceito de política de que estamos a falar. O conceito de política é extremamente vasto e controverso. Ela pode ser vista, de um ponto de vista muito particular, como uma actividade pública:
"[...] does ‘politics’ refer to a particular way in which rules are made, preserved or amended (that is, peacefully, by debate), or to all such processes? Similarly, is politics practised in all social contexts and institutions, or only in certain ones (that is, government and public life)?" Andrew Heywood, 2007. Politics. Palgrave Macmillan.
Andrew Heywood acaba por defini-la como a "actividade através da qual as pessoas fazem, preservam e emendam as regras gerais através das quais elas vivem". Hannah Arendt define-a como a mais importante forma de actividade humana, na medida em que envolve interacção entre cidadãos livres e iguais e Aristóteles já argumentava que o homem é um animal político. Daqui se depreende que eu posso fazer política de mil e uma maneiras e em mil e um lugares: a escrever num blog, a fazer pirataria online, a assistir a uma reunião, ou sentada à mesa de um bar. Deste ponto de vista a política faz-se em todo o lado e está em todo o lugar: desde o lamento da senhora reformada sobre o corte nas pensões, ao poema que um autor escreve, até aos protestos de rua de diferentes camadas da população. Faz-se política fazendo greve ou optando pelo silêncio numa discussão. A política não se circunscreve ao espaço fechado da máquina governamental ou dos partidos políticos. A política é "um traço inevitável da condição humana" (Heywood, op. cit).
O segundo ponto que quero referir é o preconceito que advém do conceito de periferia. Fico perplexa quando ficamos incomodados com o facto de se falar de Portugal, Espanha, Itália, Grécia como países periféricos da Europa, mas não nos incomodamos com a centralização do poder no nosso próprio país. Como é possível que fiquemos indignados com a situação de periferia de Portugal na Europa, mas não fazemos um mínimo de esforço para perceber as regiões periféricas dentro do nosso país. É, no mínimo, paradoxal. É nestas alturas que eu, sendo bracarense, me questiono sobre se não seria preferível vivermos num estado Galiza-Minho. Como eu entendo, nestas alturas, os meus amigos galegos que me falam sobre o preconceito que sofrem! Veja-se, a título de exemplo, a polémica que surgiu na Galiza quando a vereadora da cultura da Corunha, Ana Fernández, criticou o governo municipal anterior por programar coisas "demasiado gallegas".
Num momento em que se fala de reforma da Administração Local, eu ponho-me a pensar, quando ouço comentários como estes, que faz cada vez mais sentido pensar novamente a questão da regionalização. Há dias, o presidente do Conselho Económico e Social (CES) defendia a transferência de serviços públicos para o interior (http://aeiou.visao.pt/). Na semana passada foi a vez do historiador Gaspar Martins Pereira defender que uma reforma administrativa deveria passar pela inclusão da regionalização, sob pena de essa reforma ficar "seriamente amputada" (Expresso). João Paulo Barbosa de Melo, por sua vez, veio, também na semana passada, afirmar que "[a regionalização] é sempre apresentada como uma coisa despesista, que torna o país mais difícil de governar. Se calhar é verdade, fica mais difícil de governar a partir de Lisboa mas tenho a certeza que ficaria mais bem governado" (http://www.dinheirovivo.pt/). Eric Juliana, a propósito do mesmo tema, escrevia, em 2005, as seguintes palavras: 
“…as Autonomías contribuiram notavelmente para a modernização de Espanha, adiantando-se em certa medida ao futuro. A Europa tende claramente para a descentralização. Os alemães, forçados, como uma vacina contra um IV Reich; os britânicos, campeões do senso comum, conseguiram encarrilar o mal-estar da Escócia; os ilatianos continuam a bater na mesma tecla mas avançam para um certo esquema federal. Em Portugal volta a colocar-se a questão da regionalização; e a complexa crise da França é também a crise do centralismo. Sem as Autonomías, a Espanha não teria aproveitado com tanta eficácia os fundos de coesão e outras ajudas europeias. Não há dúvida de que as autonomias fizeram bem à Espanha.” Enric Juliana (2005). La España de los Pingüinos. Una visión antibalcánica del porvenir español: la concordia es posibleBarcelona, Destino, p. 9. Via blog de Álvaro Iriarte S..
Como anarquista não acredito que os problemas regionais se resolvam através de um maior poder às instituições governativas. Há outras formas de fazer política que não se restringem a estes espaços. No entanto, a descentralização aproxima os cidadãos da vida política e garante-lhes uma maior intervenção nos assuntos que diariamente os preocupam, além de que é mais fácil garantir que os interesses regionais não sejam sobrepostos pelos interesses centrais. 
Há tempos, escrevia aqui neste blog, a propósito da conferência de Giles Lipovetsky no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, que quanto mais se insiste numa cultura global, mais cresce o sentimento de identidade e nacionalismo: 
Há ainda um outro ponto positivo que advém da cultura-mundo: a revitalização das identidades. Quanto mais global se torna o mundo, maior é o investimento nas identidades particulares através da reabilitação e revalorização do património, da história, da cultura, da religião, da gastronomia, da língua, e mesmo dos afectos e da forma de os expressar. Vemos novos nacionalismos, para o bem e para o mal.
Se este sentimento de pertença e identidade não for aproveitado de forma positiva, irá degenerar em extremismos como aqueles que se têm vindo a verificar um pouco por toda a Europa. Veja-se a este propósito o dossier da Presseurop sobre a extrema-direita na Europa, disponível aqui.

Literatura

"Não sei para onde vou - Sei que não vou por aí!"

00:10

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio

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