Ainda acerca de "Tropa de Elite"

20:43

Diz Daniel Oliveira no Arrastão sobre o filme "Tropa de Elite":

"[...] O filme não é apenas um retrato do estado de guerra em que se vive no Rio. É um manifesto em defesa da lei sem lei como única forma de combater a criminalidade. Um manifesto contra as explicações sociais para a delinquência. Um manifesto que não se limita a justificar, antes defende de forma explícita, as execuções sumárias e a tortura. Que trata os brasileiros das favelas como gente que vive em terreno inimigo e por isso é inimiga. Gente com quem não há pontes possíveis.
Seria de esperar o choque e a indignação. No Brasil, a aceitação foi quase geral. Muito mais entusiasmo do que com ‘Cidade de Deus’, que vê as favelas pelos olhos dos favelados. Além da adrenalina, ‘Tropa de Elite’, [...] dá uma resposta rápida ao medo, quando não há resposta nenhuma. E a resposta é a bala. É assim quando deixamos que a injustiça crie uma multidão de miseráveis à nossa volta. Podemos fechar-nos nas nossas fortalezas para nos escondermos do caos. Mas os que têm de viver todos os dias paredes-meias com o crime acabarão por aceitar que, “na brincadeira sinistra de polícia e ladrão, não se saiba ao certo quem é herói ou vilão, não se saiba ao certo quem vai e quem vem na contramão”, como diz o polícia narrador num dos seus poucos assomos de hesitação moral. Porque no momento certo, perante o medo sem remédio, todos temos um fascista na nossa cabeça. Todos cedemos à resposta do desespero. Todos queremos ver sangue."

"Tropa de Elite" não pretendeu ser "um manifesto em defesa da lei sem lei como única forma de combater a criminalidade". Eu vi-o como uma provocação que saiu frustrada. "Tropa de Elite" deveria ter servido para despertar consciências, para espicaçar a revolta, para debater. Em vez disso vimos fardas de Carnaval com o distintivo do BOPE. Criou-se um cinismo generalizado: "a aceitação foi quase geral". Sim, de facto. Mas "Tropa de Elite" não dá resposta nenhuma, fizeram dele um bastião fascista quando apenas tinha a pretensão de iniciar o debate público. A todos é permitido interpretar da maneira que entenderem. Mas numa questão
fundamental Daniel Oliveira tem razão: ainda não há resposta nenhuma.

O simples facto de Daniel Oliveira trazer a público as questões fundamentais que o filme deveria ter gerado, há quase um ano, aquando da sua estreia no Brasil, é por si só um ponto positivo do filme. Isto fez-me lembrar a recente defesa da edição comentada do Mein Kampf na Alemanha, onde ele continua a ser proibido. Ainda que o filme seja visto como uma fácil resposta fascista ao problema da criminalidade no Brasil, ele permite ainda - ainda - manter (ou reiniciar) o debate.
Mas - ainda - continuam a faltar respostas.

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