Perguntas para um Manifesto

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Imagem: Vera Tavares


E se houvesse um movimento que se dispusesse a lançar a semente para a criação de um espaço de debate entre as diferentes camadas da sociedade? E se houvesse um movimento que se propusesse promover um debate público realmente público e trouxesse à sociedade a possibilidade de todos poderem fazer ouvir a sua voz e contribuir para apresentar soluções para os problemas que, directa ou indirectamente, afectam as suas vidas? E se esse movimento começasse a ter um espaço próprio?
Ontem, em Lisboa, foi feita a apresentação pública do Manifesto para uma Esquerda Livre. Para redigir este texto, elaborei umas perguntas que enviei aos principais impulsionadores do projecto. A resposta foi imediata: eu deveria contribuir para dar respostas a essas mesmas perguntas. Mas, que tipo de pessoa faz umas perguntas e responde a essas mesmas perguntas? A questão essencial é que este acto de liberdade, em que o apelo é feito à participação e não à aceitação é, só por si, um dos motivos de interesse deste Manifesto. Se este não é o caminho é, com certeza, um dos caminhos.
Assim, usei as perguntas como uma forma de organizar as minhas próprias ideias em relação ao Manifesto. O Manifesto terá tantas interpretações quanto o número dos seus signatários que, em menos de uma semana, somaram perto de 1800.  Aqui ficam as perguntas e a minha interpretação do Manifesto:   
- Como surgiu o Manifesto?
A ideia para o Manifesto surgiu no dia 01 de Dezembro de 2011, num encontro em Bruxelas, do qual o Rui Tavares, a Marta Loja Neves, o João MacDonald e a Evalina Dias foram anfitriões.  Este encontro reuniu à mesma mesa bloquistas, socialistas e independentes, deputados, gente com mais visibilidade mediática e gente anónima, na qual eu me incluo, que expressou o seu sentimento de desânimo e indignação perante as políticas de austeridade que vinham sendo impostas a nível nacional e europeu a países que se viam a braços com graves dificuldades económicas e sociais. Este era o tempo em que jornalistas respeitados dos principais canais de televisão nacionais punham em causa, sem qualquer pudor, a própria constituição e os direitos nela consagrados. 
Segundo a minha interpretação, a ideia era reunir forças para que o paradigma político voltasse a centrar-se nas pessoas e não na dívida pública. 
- Mais do que um posicionamento ideológico, o nome “esquerda livre” sugere uma clara demarcação das actuais políticas de esquerda. O que significa o nome “esquerda livre”?
Para mim ser de esquerda é algo tão simples como assegurarmo-nos, todos, que os valores da liberdade, igualdade e fraternidade sejam uma realidade, a nível regional, nacional, europeu e mundial.  Entendo que uma esquerda é livre quando é tolerante, quando faz da diversidade um motivo para crescer em ideias e em valores.   
É livre uma esquerda que acredita que uma democracia saudável precisa de envolver toda a sociedade no debate político, que acredita na possibilidade de um debate alargado, que envolve todos os espaços da vida pública. A insistência na crença de que a política se faz apenas por políticos, num parlamento ou num lugar controlado e fechado à sociedade civil, alimenta a apatia e a descrença dessa mesma sociedade nas suas instituições governamentais. Todos temos saberes e contributos que podemos partilhar, e o senso comum é tão válido como o saber científico, só depende da perspectiva. 
É livre a esquerda que acredita que todo o debate democrático deve fazer-se horizontalmente, de iguais para iguais, que acredita na possibilidade e reponsabilidade individual de cada membro da sociedade de mudar o curso da história.
É livre a esquerda que deixa que cada um assuma por si mesmo a responsabilidade dos seus actos, das suas palavras. Se o pluralismo permite diferentes vozes, obriga também a uma maior responsabilidade individual. Ninguém é responsável por ninguém, mas todos somos responsáveis uns pelos outros: moldamo-nos.
É livre a esquerda que acredita que a maior parte de uma sociedade, a parte saudável de uma sociedade, a parte que alimenta o sistema e o mantém, tem nas suas mãos o poder para paralizar ou impulsionar esse mesmo sistema, se assim o desejar.  Se essa parte da sociedade acreditar que o seu contributo, o seu esforço, o seu empenho, irá alimentar e fortalecer o bem comum, em que as ideias e o trabalho de todos irão servir todos em pé de igualdade, o seu poder será verdadeiramente eficaz. Mas a sociedade precisa de acreditar. 
- O que pretende este Manifesto? O que é que ele traz de novo à sociedade portuguesa e à política nacional?
O texto do Manifesto evoca duas noções importantes: a noção de esperança e a noção de pertença. Esta noção de pertença, que para mim tem tudo a ver com a noção de identidade, cria um sentimento de que todos são bem vindos, um sentimento a que apelam, de resto, os movimentos sociais mais recentes. Tenho a certeza de que esse é o caminho para o que quer que seja que queremos construir: não deixar ninguém de fora e levar a política para todo o lado, para toda a gente, criar a Ágora (como disse o Rui Tavares na última reunião em que estive presente) em todo o lugar, em todos os lugares e com toda a gente. Que "seja bem vindo quem vier por bem" e que ninguém fique para trás porque, se assim acontecer, como diria um professor meu, será um a menos a trabalhar para as "forças do bem". Precisamos de todos nas ágoras que criarmos. E deixar que cada um assuma por si mesmo a responsabilidade dos seus actos, das suas palavras, sem paternalismo ou condescendência.
E por falar em movimentos sociais, um conceito que também me é particularmente caro, acho que esta é a oportunidade para lhes dar o palco. Eles são uma das forças motrizes que queremos que impulsione a mudança no país. Nós somos um movimento social também, de certa forma.  Há que envolvê-los, sem deixar que eles sintam (ou sejam, de facto) que são instrumentos de propaganda política. 
- Quais são as possibilidades de o Manifesto se transformar num partido político?
Pessoalmente, a possibilidade de criação de um partido político deixa-me de pé atrás. Sempre fui dessa opinião. Como foi ouvido ontem, numa das interpelações à mesa, “temos de ser marginais”. Eu acredito nisto, num movimento que funcione como um contra-poder, que questione o poder e crie meios para uma democracia participada. Não me agrada também a estrutura vertical que exige a existência de um partido hoje, receio a possibilidade de esta estrutura subverter a ideologia, os objectivos e o trabalho de um movimento.
Ontem, Rui Tavares dizia que "fazer um partido é fácil, difícil é fazer um movimento de libertação". 
- O texto do Manifesto apela à mobilização dos cidadãos e ao debate de “alternativas concretas e decisivas” de “forma aberta e em plataformas inovadoras”. Têm já uma ideia de como se fará este debate e que plataformas serão estas?
O Manifesto está a pensar em encontros temáticos programados regularmente, criar uma (ou várias) wikis, no uso das redes sociais e junção de diferentes meios de comunicação alternativos. 
- O Manifesto tem encontros já agendados em diversas cidades do país. O que podem esperar os cidadãos destes encontros? E, principalmente, o que esperam dos cidadãos nestes encontros?
Participação e envolvimento de todos os cidadãos que se sintam descontentes com o actual estado do país, com a certeza de que tudo o que for feito será feito de todos para todos (para o bem comum). É segundo esta crença que eu assinei o Manifesto. E continuarei envolvida enquanto acreditar nela, enquanto estes princípios continuarem intactos. Nós faremos o que for necessário se acreditarmos numa causa, como diria Stephen Meyers, no filme Nos Idos de Março


O Manifesto pode ser assinado aqui.


Post publicado também no blog  Chapa Branca.

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