A imagem e o anonimato - Parte II

12:20


Vem este post a propósito deste post de ontem. Quando acabei de o escrever lembrei-me de muitas outras coisas a propósito de anonimato que gostaria de ter dito.
Uma das coisas que me pareceu importante referir é o facto de nós não vivermos completamente escondidos atrás do anonimato. Quando nos expomos por trás de um nickname ou de um pseudónimo, trazemos para ali parte do que nós somos, ainda que seja a antítese do que somos no quotidiano, com a cara destapada. Tenho a certeza de que este é um tema que terá já merecido artigos e reportagens interessantes: onde será que usamos a máscara? Online ou fora dela? Na minha opinião, todos os lugares que povoamos são fragmentos da nossa personalidade e identidade. Existimos em todas as nossas dimensões em dimensões diversificadas.
Claro que há auto-censura. Mas essa censura existe fora ou dentro da rede, anónimos ou não. Ela faz parte da vida em sociedade e, se analisarmos bem, mesmo longe do olhar inquisitivo dos outros, também nos censuramos a nós próprios. E ainda bem! Seria no mínimo estranho se não existisse um mecanismo qualquer capaz de moderar os nossos impulsos primários.
Outra das coisas que me lembrei depois de ter escrito o post de ontem foi de um colega dos tempos de universidade (já lá vão mais de 11 anos), que eu sempre estimei pela maturidade das suas posições, que se dizia anarquista e se recusava a votar. Não votava porque, dizia, não acreditava no sistema e não queria fazer parte dele. Anarquistas não votam, recusam fazer parte do sistema e criam o seu próprio submundo, alheio ao mundo superficial da superfície (a escolha do pleonasmo foi intencional). Um anarquista vive em constante desobediência civil, perante um sistema e leis com os quais não se identifica. Sim, de facto. No entanto, devo abrir aqui um parêntesis para elucidar que não é verdade que um anarquista vive numa ausência de leis (já o disse em qualquer outro post neste blog), o que acontece é que os anarquistas criam as suas próprias leis, baseadas numa escala de valores rigorosa, pautada, em princípio, pela liberdade e justiça.
Para alguém como eu, que não obstante ter sido educada num ambiente católico e extremamente conservador (ou talvez mesmo por isso, como eu digo sempre), aquilo de viver num submundo ou num mundo ou sistema paralelos sempre me pareceu pouco extremo. Sempre achei que viver num universo paralelo à margem da lei era coisa pouca. Parecia-me uma desistência. Faz-me agora lembrar a sociedade norte-americana dos anos 20-30, no tempo da Lei Seca, com a máfia urbana, com personagens do tipo do Al Capone, que eu via e lia nos livros aos quadradinhos, quando era criança. Uma sociedade onde toda a gente faz contrabando, inclusivamente a polícia, uma sociedade onde toda a gente bebe, mas que insiste em medidas legais que não servem a mudança da sociedade. As leis são simplesmente um pro forma. É neste submundo que um anarquista quer viver?
Hoje, nem de propósito, chego, através de um post no Facebook de Miguel Caetano, ao "Guerrilla Open Access Manifesto", escrito por Aaron Swartz e publicado no site P2P Foundation por Michel Bauwens. Cito aqui uma frase que vai ao encontro do que pretendo dizer:

"

There is no justice in following unjust laws. It’s time to come into the light and, in the grand tradition of civil disobedience, declare our opposition to this private theft of public culture."


O que eu quero sublinhar nesta frase é o "come into the light" que Aaron usa. Não adianta criarmos subculturas, submundos ou mundos paralelos se o que nós queremos é mudar o sistema ou a sociedade. Criar mundos paralelos é contribuir para o sistema. É criar redes de contrabando do tipo Al Capone onde, tal como na Lei Seca, apenas uma pequena minoria de privilegiados tem acesso ao bem que deveria ser comum. O que queremos não é criar mundos paralelos ou submundos de geeks que partilham e transferem ficheiros ou bases de dados entre si, sem que o restante da população tenha acesso a eles. O que queremos, creio, é revolucionar todo o sistema e permitir que o acesso livre seja universal.
Talvez me digam que para criar este acesso livre universal seja necessário primeiro criar os submundos ou mundos paralelos: presisamos de tornar a partilha algo demasiado curriqueiro para que o copyright deixe de ser ilegal. Talvez. Mas não esqueçamos o fim, ao percorrermos os meios.
Quero deixar aqui umas palavras finais, em jeito de conclusão, relativas ao tema deste post: se uma coisa não é suficientemente importante para merecer ser defendida fora do anonimato, de cara destapada, talvez essa coisa não valha a pena ser defendida.
Haverá pessoas que discordam do meu ponto de vista. Não faz mal. Para elas vou citar Alexandre Marinho, bloguer brasileiro, que escreve aqui também sobre este mesmo tema:

"se você for realmente bom de briga [...], e quiser continuar a discussão, diga o dia, a hora, o bar e a marca da cerveja que quer tomar. Topo qualquer parada! Se no final da discussão não chegarmos a um acordo, dependendo do teor alcoolico, pelo menos sairemos convictos [...] de que com nossa discussão resolvemos boa parte dos problemas da humanidade."

Troco a cerveja por um bom vinho.

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