Eros, Philia e Agape

22:42

Imagem: Antonio Canova (1777) Psyche Revived by Cupid’s Kiss
Paris, Museu do Louvre
Foto: Wikipédia



Peguei hoje novamente no Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Barthes, depois de ler este texto de Platão. Fragmentos de um Discurso Amoroso é um dos poucos livros que guardo religiosamente depois de o ter lido vezes sem conta, e para o qual corro para fugir ao caos da vida quotidiana. É a minha enciclopédia emocional. Guardo-o com anotações, sarrabiscos de todos os tamanhos e feitios e notas encrustradas em post-its de toda a espécie. Hoje parei no fragmento dedicado ao objecto de amor, "Amar o Amor", e recordei a primeira vez que eu li aquele pedaço de texto.
"[...] Basta que, num relance, eu veja o outro como uma espécie de objecto inerte, empalhado, para que transfira o meu desejo deste objecto amado para o meu próprio desejo; é o meu desejo que desejo e o ser amado mais não é do que seu subordinado. Exalta-me o pensamento de uma tarefa tão grande que deixa longe e para trás a pessoa que me serviu de pretexto [...]: sacrifico a imagem ao Imaginário. E se chegar o dia em que tiver de renunciar ao outro, o luto violento que então em mim se apodera é o luto do próprio Imaginário: era uma estrutura querida e choro a perda do amor, não a deste ou daquele. [...]"
Roland Barthes (1970). Fragmentos de um Discurso Amoroso. Lisboa: Edições 70, p. 40
Quando li pela primeira vez o livro não consegui ver ali mais do que uma pura relação psicanalítica, a relação de transferência, o vínculo. O sujeito amoroso era o paciente e o objecto do seu desejo, do seu amor, era o psicanalista e, em fase mais avançada, a própria cura do sujeito. Na altura estava a fazer e a estudar psicanálise e por isso a leitura era necessariamente tendenciosa, mas, hoje, mesmo passados mais de cinco anos, sempre que leio este livro específico, continua a vir-me à memória a terapia e a relação psicanalítica só que, desta vez, essa relação parece estender-se para outros espaços, para outras relações, para outras vivências, para outros sujeitos e outros objectos. E é curioso que, hoje, a uma distância de mais de cinco anos, consigo perceber que na relação psicanalítica estão presentes todos os tipos de relações no mundo para além do útero materno (o divã da terapia): está a relação entre pais e filhos, entre mestres e discípulos, entre professores e alunos,... estão, enfim, todas as relações abstractas que não se materializam, que não se consumam, que não se extinguem na satisfação e consumação do desejo amoroso.
quem consiga explicar isto melhor do que eu, mas para hoje basta-me saber que, tal como na relação psicanalítica há, um pouco como em todas as relações, um querer o desejo mais do que o querer o objecto, e é esse desejo do desejo que cura o paciente, que impulsiona o filho a crescer, que incita o discípulo e o aluno a aprenderem. É que a consumação, no objecto de desejo, extingue o desejo do desejo. Extingue a procura, a incitação, a cura, a sublimação.
Não consigo explicar isto melhor. Quem fez ou estudou psicanálise sabe exactamente do que estou a falar.
"PHAEDRUS [citing Lysias]: [...] Further, I say that you are likely to be improved by me, whereas the lover will spoil you. For they praise your words and actions in a wrong way; partly, because they are afraid of offending you, and also, their judgment is weakened by passion. Such are the feats which love exhibits; he makes things painful to the disappointed which give no pain to others; he compels the successful lover to praise what ought not to give him pleasure, and therefore the beloved is to be pitied rather than envied. But if you listen to me, in the first place, I, in my intercourse with you, shall not merely regard present enjoyment, but also future advantage, being not mastered by love, but my own master; nor for small causes taking violent dislikes, but even when the cause is great, slowly laying up little wrath—unintentional offences I shall forgive, and intentional ones I shall try to prevent; and these are the marks of a friendship which will last."
Platão, Phaedrus

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1 comentários

  1. É uma ideia interessante sobre o amor e o desejo. Desejamos mais o desejar e amamos o amar mais ou tanto quanto a coisa deejada/amada. Estava aqui procurando uma música do Cazuza, poeta, cantor e compositor brasileiro e um poema do Fernando Pessoa que falam exatamente sobre isso. Sobre o amor como objeto.
    Essa ideia é interessante e , de certa forma, libertadora, pois a o amado pode até ir embora, mas nosso desejo (ou, nossa capaciade de desejar) permanece conosco. A felicidade não está no outro, mas sim, no amor.

    Um abraço!

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