Do egoísmo e outras crendices
"Supunhamos que uma pessoa com fome passeia numa rua sem polícias e se cruza com uma criança esfomeada que segura um pedaço de pão. Seria o seu instinto natural roubar o pão à criança? Se assim fosse, consideraríamos a sua acção patológica. Quando os golfinhos dão à costa numa praia, à noite, depois de uma maré baixa, centenas de pessoas correm em seu socorro e trabalham em condições difíceis paratentar salvá-los.
Será possível explicar isto pelo egoísmo, ou até por teorias mais sofisticadas segundo as quais a selecção natural favorece a ajuda às pessoas da própria família e o altruísmo recíproco? Creio que nem a história nem a experiência desmentem a suposição de Adam Smith e de David Hume - que figuram entre os heróis do coro contemporâneo que tece louvores ao egoísmo - segundo a qual a simpatia e a preocupação com o bem-estar dos outros são características fundamentais da natureza humana.
Acreditar que o egoísmo é um instinto humano predominante é muito cómodo para os ricos e poderosos que esperam desmantelar as instituições sociais desenvolvidas com base na simpatia, na solidariedade e na ajuda mútua. Os elementos mais bárbaros dos sectores ricos e poderosos (...) estão determinados a demolir a segurança social, os programas de saúde, as escolas e, de facto, todas as conquistas das lutas populares que servem as necessidades do público e só diminuem muito ligeiramente as suas próprias riquezas e poderes. Para estas pessoas, é muito cómodo inventar teorias fantasistas segundo as quais o egoísmo está no centro da natureza humana, para mostrar que é errado (ou «mal», para usar a terminologia em voga) preocuparmo-nos em saber se a viúva doente da outra ponta da cidade está a ser alimentada e a receber cuidados de saúde, ou se a criança da frente tem acesso a uma educação adequada. Temos argumentos sólidos que justifiquem estas doutrinas cómodas para os que as propõem? Que eu saiba, não."
Excerto de Chomsky, citado por Jean Bricmont e Julie Franck (dir.) "Chomsky", Cahiers de l'Herne, nº 88, Paris apud Le monde Diplomatique - Edição portuguesa, Maio de 2010, p. 12.
Maravilhoso texto. Oxalá as pesquisas chomskyanas sobre uma "gramática moral" comum a toda a humanidade comecem a ser conhecidas.
ResponderEliminarAperta.
Gostei do termo 'gramática moral', Gelo. Já está no meu vocabulário.
ResponderEliminarPat.,acho que este texto de Chomsky,não trás nada de novo ...
ResponderEliminarA maior parte das pessoas também pensam assim!!!
Os outros também pensam.....
Falta é agir.....