Humanidades

Universidades, financiamento público e interesse público (Parte 2)

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Depois de há dois dias atrás me ter lamentado sobre o estado das Humanidades e das Ciências Sociais, hoje tropecei numa notícia que vem trazer alguma esperança para estas duas áreas.  Através deste artigo chego ao discurso de Máire Geoghegan-Quinn, Comissária Europeia para a Investigação, Inovação e Ciência. O discurso foi proferido a 10 de Novembro, na Academia Britânica, e foca a preocupação e interesse da União Europeia no papel das Humanidades e das Ciências Sociais. O título do discurso de Geoghegan-Quinn é elucidativo: "The future of Social Sciences and Humanities in Horizon 2020". A Comissária solidarizou-se com a preocupação dos académicos acerca do futuro das Humanidades e das Ciências Sociais, assegurou que a Comissão Europeia partilha das mesmas preocupações e que irá continuar a garantir financiamento à investigação nestas áreas. 

"The European economy, and indeed the world economy, are facing threats that have not been seen for several generations. Energy and resources are becoming scarcer and more expensive as we consume more. The internet and social networking are changing the way we work, interact and communicate.

These are just some of the challenges that we face. We need the Social Sciences and Humanities to examine, interpret and understand these challenges and point us to answers.

This has never been more true than today – for example, we look to these disciplines to explain why and how the current economic crisis happened, to identify its social impacts and to discern future trends.

We cannot rise to the challenges facing Europe without deepening and updating our knowledge of the very economy, society and culture we live in, and without understanding Europe and its relationship with the rest of the world. [...]   
We have heard the concerns expressed by this Academy and others about the place of the Social Sciences and Humanities in future European funding for research and innovation.

Let me assure you that the European Commission shares the goals of the British Academy to inspire, recognise and support excellence in the social sciences and humanities and to champion their role and value.

Let me also assure you that future funding at the European level will provide significant space for social sciences and humanities research."

Geoghegan-Quinn destacou também a importância do papel que a União Europeia tem no mundo, no campo das Humanidades e Ciências Sociais, e sublinhou ainda o papel da interdisciplinaridade e da pesquisa colaborativa. 

Humanidades

Universidades, financiamento público e interesse público (Parte 1)

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 "No Brasil, a maior parte das pesquisas acadêmicas é financiada com recursos públicos. Em algumas áreas, como as ciências humanas e sociais, o financiamento público chega a quase 100%. De uma pesquisa assim custeada, espera-se que contribua para o entendimento e/ou solução dos grandes dilemas vividos pela população que a financia. Disse dilemas e não problemas, justamente para fugir da idéia de que o financiamento público só é legítimo para aquelas pesquisas que tragam soluções para os problemas do cotidiano da população. Afinal, como já dizia o poeta,"a gente não quer só comida..." e um sonho pode, tanto quanto a falta de comida, trazer à baila os grandes dilemas do humano." Luciano Mendes de Faria Filho,"A pesquisa acadêmica e as políticas públicas no Brasil". In Jornal da Ciência, 23 de Novembro de 2011. URL: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=80217

Ontem foi o segundo e último dia das I Jornadas Internacionais: corpora e tradução, um encontro académico sobre corpora e tradução, realizado no âmbito do Projecto Per-Fide, na Universidade do Minho. Este post não vem a respeito dos assuntos académicos abordados no encontro, mas de um comentário que ouvi, a alguns dos palestrantes, no intervalo das comunicações. O comentário dizia respeito à pressão, cada vez mais forte, que as universidades públicas sofrem no sentido de estabelecer ligações estreitas com empresas privadas e o problema que isso representa para áreas académicas menos 'comercializáveis'. O tema parece, de facto, estar na ordem do dia, com a cada vez maior limitação de verbas, por parte do Estado, às universidades públicas. A FCT, só para dar um exemplo, incentiva a candidatura a bolsas de doutoramento em empresas e vemos, cada vez mais, as universidades a promover encontros entre empresas e estudantes, dentro do espaço da universidade. 


Já durante a minha licenciatura, em finais dos anos 90, numa cadeira intitulada Administração Escolar, se apresentava o paradigma da universidade-empresa sem grandes questionamentos. Confesso que a primeira vez que me deparei na prática com esta ligação foi num congresso internacional. O que me inquietou no programa do congresso foi o facto de membros de empresas de software privado e de editoras privadas serem apresentados num congresso científico com o mesmo espaço que os restantes congressistas, fossem eles professores, mestrandos ou doutorandos. Misturar academia com empresas privadas parece-me, hoje, o mesmo que misturar ciência com interesses corporativos e financeiros. A ligação, amplamente aceite e inquestionável, parece-me, no mínimo, perigosa. No caso da Linguística Aplicada, como áreas como a Tradução, a Lexicografia e a criação de corpora, a ligação entre academia e interesses económicos não me parece verdadeiramente ameaçadora para o interesse da sociedade geral, mas se pensarmos na área da Medicina, da Sociologia ou  do Direito a questão torna-se prioritária.
Todos sabemos o que é que acontece quando deixamos que as empresas invadam o espaço universitário e quando o próprio Estado se demite do seu papel de promotor de um direito universal e deixa esse papel à sociedade e empresas privadas. Acontece que áreas académicas não rentáveis são relegadas para segundo plano. A verdade é que não é só um problema de divisão disciplinar. O problema acontece mesmo no seio de uma mesma disciplina: as sub-áreas mais teóricas, com uma componente mais conceptual, são suplantadas pelas sub-áreas mais práticas e que produzem resultados tangíveis com um produto final, vendável. Hoje as ciências puras sofrem o mesmo preconceito que há pelo menos dez anos atrás se impunha às componentes práticas dessas ciências. Lembro-me perfeitamente de ler artigos académicos a questionar a inclusão da Lexicografia na área da Linguística; a Lexicografia não era suficientemente científica, diziam. Hoje acontece o contrário: são as áreas mais práticas que dispensam as áreas mais teóricas e parece até heresia fazer investigação hoje exclusivamente na componente teórica. É curioso que, por exemplo, vejamos linguistas interessados em construir glossários, dicionários terminológicos, ontologias, etc, em áreas como a Biomedicina, Direito, Economia, etc, e ainda não conseguimos construir um simples dicionário terminológico actualizado da nossa área. O único dicionário terminológico de Linguística existente em português para consulta na Internet é o Dicionário de Termos Linguísticosda Associação de Informação Terminológica, que se apresenta num simples documento PDF Seremos tão pouco significantes para nós mesmos?
Não estou a defender a protecção de um ponto de vista em detrimento de outro, acho apenas que a balança não está equilibrada. E, na verdade, da maneira como as directivas governamentais estão a ser redigidas, receio bem que haja disciplinas que deixem até de fazer parte dos pratos da balança.





Nesta lógica, só as áreas que visivelmente geram lucro serão cobiça das empresas e objecto do seu financiamento. E acabaremos no que já se tem começado a assistir: o desinvestimento nas áreas como as Humanidades ou as Ciências Sociais e nas componentes teóricas tout cour. Muitos perguntarão: e daí? É preciso adaptação. Daí que estaremos a desenhar universidades que se afastam cada vez mais dos desígnios para que foram criadas: permitir o desenvolvimento da ciência em todas as suas áreas, harmoniosamente. 
Ontem, no mesmo congresso, tive a oportunidade de ouvir, mais uma vez, o lamento de um estudante de Linguística de que não há empregos na área e que é preciso apostar em áreas que dão emprego. E pus-me a pensar acerca das áreas que geram emprego e, obviamente, só podia chegar à mesma conclusão de sempre: se temos as empresas dentro da universidade, o que podemos esperar do mercado de trabalho? Se apenas há investimento financeiro em determinadas áreas, não podemos esperar que fora da universidade o capital seja mais benevolente. As conclusões são fáceis de tirar: quanto maior o investimento, maior a oferta de trabalho. É um círculo vicioso. Não é que as áreas das Humanidades tenham uma maior taxa de desempregados por si mesmas, é que houve um total desinvestimento nessa área, ao ponto de reduzirem os empregos que essas mesmas áreas poderiam gerar. Não há apoio à publicação, não há apoio à cultura, não há investimento em espaços de debate, apoio a congressos e eventos nas áreas das Humanidades,  etc. Se não há esse investimento, deixa de haver 'público'.
Hoje, nem de propósito, deparo-me com o artigo do Rui Tavares sobre um artigo de Paul Mason que fala sobre os motivos para a crise económica ter estalado em todo o mundo. Mason aponta como causa primeira o licenciado desempregado. A resposta do Rui parece-me clara e encaixa bem no tema deste post. O Rui realça que esse licenciado desempregado ou precário de hoje não está sozinho. Há um facto fundamental que une todas as camadas da população: a certeza de que a promiscuidade entre o mercado e a política "fez de todos eles (de todos nós) descartáveis".
"Considerem os seguintes sintomas dessa realidade. A CNN vai despedir 50 jornalistas*, principalmente de imagem, para usar material recolhido pelos amadores. Pela primeira vez, a automação começa a substituir trabalho qualificado e não só braçal. Uma subida nas taxas de juro faz substituir políticos eleitos por tecnocratas" (Rui Tavares, "A verdadeira crise")
Desengane-se quem acha que nunca vai chegar a sua vez. As desculpas são enormes: a idade, o género, a educação, a falta dela, a qualificação, a falta dela, a família, a falta dela, a modernização, a rentabilização de custos, a quebra de lucros, a dívida, etc, etc, etc. 
"Isto acontece quando poderíamos estar tão perto de conquistar velhos sonhos da humanidade: usar a educação contra a ignorância, o acesso à informação para o exercício da democracia, a automação contra o trabalho embrutecedor. Mas as conquistas não caem do céu." (Rui Tavares, "A verdadeira crise")


Brent Lang at TheWrap, "CNN Lays Off 50 Staffers After Employee Appreciation Week", 11 Nov. 2011

África

Eleições na República Democrática do Congo

13:31



Imagem: Wikipedia

No dia 28 de Novembro, esta segunda-feira, haverá eleições na República Democrática do Congo. O sítio da Embaixada Portuguesa em Kinshasa na Internet abre com uma advertência aos viajantes para que não viagem para o país. Jornalistas um pouco por todo o mundo alertam para os perigos de as fraudes eleitorais incendiarem uma onda de protestos que, seguramente, acabarão refreados com violência. 
O RNW Africa fala em "eleições caóticas", denunciando a ausência de listas de votantes,  de urnas, de cédulas ou instruções para os eleitores,  a apenas poucos dias das eleições. A mesma fonte informa que se tem verificado também confusão na localização das urnas: há assembleias de voto que deveriam existir e não existem e vice-versa.
Um jornalista escreve no The New Your Times que um relatório das Nações Unidas denuncia que milícias liderados por candidatos ao parlamento têm violado e amedrontado a população para assim conseguir votos. O jornalista cita ainda o relatório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos que fala em "intimidação, ameaças, incitamento, prisões arbitrárias e violência" (vd. o vídeo abaixo).
Para desestabilizar ainda mais o processo eleitoral, interesses estrangeiros têm sido acusados de financiar o partido do governo.  

Para saber mais sobre o Congo e sobre o processo eleitoral deste ano, sugiro o sítio da BBC dedicado às eleições no país: http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-15775445.

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